quarta-feira, 22 de março de 2017

Charles Dickens: Um Conto de Natal 13

Um Conto de Natal


Charles Dickens

13



QUARTA ESTROFE  
O último dos três espíritos 


O espectro conduziu-o através de ruas que lhe eram familiares, e enquanto caminhavam, Scrooge olhava em torno de si, na esperança de se descobrir a si mesmo, mas ninguém o via em parte alguma.

Entrando, novamente, na pobre casa dos Cratchits, esta casa que Scrooge já tinha visitado, encontraram a mulher e as crianças em redor do fogo.

Como estavam calmos! Os barulhentos caçulas dos Cratchits permaneciam a um canto, quietos como imagens, e olhavam para Pedro, que tinha um livro aberto diante de si. A mãe e as filhas ocupavam-se num trabalho de costura. Sim, todos eram estranhamente silenciosos.

“Ele pegou a criancinha e sentou-a no meio deles”.

Onde tinha Scrooge ouvido estas palavras? Não as tinha sonhado! Talvez o jovem Cratchit as tivesse lido em voz alta no momento em que transpunha a porta com o espírito. Mas, por que não continuava ele a sua leitura?

A senhora Cratchit pousou o trabalho na mesa e passou a mão pelos olhos.

– A cor deste pano me faz mal aos olhos, – disse ela. A cor e a luz da lamparina me cansam a vista, e eu não queria ter os olhos vermelhos, quando seu pai chegasse. Deve estar quase na hora de seu regresso.

– Acho que já passou, – respondeu Pedro, fechando o livro. – Mas, tenho a impressão, mamãe, de que, há já alguns dias, ele está andando mais vagarosamente que antes.

Novamente se fez silêncio. Ao cabo de um instante, a mãe prosseguiu com voz mais firme, que fraquejou apenas uma vez:

– Eu o vi andar bem ligeiro, bem ligeiro mesmo com... com Tinzinho às costas.

– Eu também, e muitas vezes, – exclamou Pedro.

– Eu também! – exclamaram os pequenos, ao mesmo tempo.

– Mas Tinzinho é muito leve, – continuou ela, – e o pai lhe queria tanto bem que nem sentia cansaço. Ah, eis seu pai que volta!

Ela precipitou-se para ir abrir-lhe a porta, e Bob, sufocado em seu cachenê – de que aliás tinha bem necessidade, o pobre – entrou na sala. Seu chá esperava-o no canto do fogão, e cada um queria ser o primeiro a servi-lo. Depois, os pequeninos Cratchits subiram aos seus joelhos e chegaram seus rostinhos ao dele, como para dizer: “Não pense nisso, pai. Não se aborreça tanto”

Bob falou-lhes sorrindo, e teve uma palavra amável para cada um. Observando os trabalhos de costura espalhados na mesa, elogiou a habilidade e a diligência da senhora Cratchit e suas filhas. Tudo estaria perfeitamente terminado para domingo.

– Domingo? Então você foi lá, Bob? – perguntou sua mulher.

– Sim, querida, e gostaria muito que estivesse comigo. Teria gostado de ver como o lugar é belo e verdejante. Mas poderá ir lá muitas vezes. Prometi-lhe que iria passear lá no domingo. – Oh, meu menino! Meu pobre pequenino! – gemeu Bob.

Subitamente, Bob desatou a chorar. Não chorar estava acima de suas forças, pois elos de grande afeto prendiam-no a esta criança.

Deixando a sala, subiu para o quarto do andar superior, que se achava fartamente iluminado e enfeitado com guirlandas de flores, como para Natal. Junto à criança, estava colocada uma cadeira, e notava-se que poucos minutos antes alguém estivera sentado ali.

Bob sentou-se, concentrando-se por um momento, e depois de readquirir a calma, abaixou-se e beijou o rostinho do menino. E como aceitava resignadamente o seu sacrifício, foi com ânimo sereno e forte que tornou a descer para junto dos demais.

Todos se aproximaram do fogo e começaram a conversar, enquanto a senhora Cratchit e suas filhas continuavam a costurar. Bob falou-lhes, então, da extraordinária benevolência que lhe havia testemunhado o sobrinho de Scrooge. Este cavalheiro, que não o tinha visto mais que uma ou duas vezes, fizera-o parar na rua,, naquela tarde, e, tendo notado sua fisionomia um tanto abatida, interessou-se em saber o que lhe havia acontecido.

– Nestas circunstâncias, – prosseguiu Bob, – expliquei-lhe tudo, pois o sobrinho de Scrooge é de fato um perfeito cavalheiro, o homem mais afável que se possa imaginar. “Estou sinceramente preocupado, senhor Cratchit, não somente pelo senhor, mas ainda por, sua excelente esposa”. A propósito, como podia ele saber disso?

– Saber o quê, meu amigo?

– Que você é uma excelente esposa.

– Mas toda gente o sabe, disse Pedro.

– Muito bem respondido, meu rapaz, – exclamou Bob. – Espero que todos o saibam.

Em seguida, referindo-se ao encontro, continuou: “Sinto muito e se eu lhe puder ser útil em qualquer coisa, terei nisso muito gosto”, disse-me ele, apresentando-me seu cartão. “Se precisar, venha procurar-me sem acanhamento”.

– Ora, não será tanto pelos serviços que nos poderá prestar, mas pela maneira cordial como se ofereceu. – Dir-se-ia que já conhecia nosso Tinzinho e compartilhava das nossas mágoas.

– Estou certa de que é um homem de bom coração, declarou a senhora Cratchit.

– E ainda mais se certificaria disso, minha cara, se o visse e pudesse falar com ele. E não ficaria surpreendido, pode crê-lo, se ele arranjasse um lugar melhor para Pedro.


– Ouça lá, Pedro, – disse a mãe.

– E então, – disse uma das moças, Pedro se casa e nos deixa.

– Calma, meninas! – respondeu Pedro com uma careta.

– É uma coisa que poderá acontecer qualquer dia, meu rapaz, – disse Bob, embora ainda tenhamos tempo para pensar nisso. Em todo caso, quando chegar o momento de nos separarmos uns dos outros, nenhum de nós poderá esquecer o pequeno Tim, não é verdade? Ninguém se esquecerá desta primeira separação.

– Não, papai, jamais, – exclamaram todos.

– Depois, meus filhos, só a lembrança de quanto ele era meigo e paciente, embora não passasse de uma criancinha, já seria o bastante para nos entendermos sempre bem, pois o contrário seria esquecer o nosso pequeno Tim.

– Sim, papai, sempre! – exclamaram todos novamente.

– Sinto-me imensamente feliz, meus filhos, – disse Bob, muito contente.

A senhora Cratchit abraçou-o e todas as meninas o abraçaram, e Pedro veio apertar-lhe a mão.

Tinzinho! Tua pequenina alma de criança tem a pura essência divina!

– Espírito, – disse Scrooge, – alguma coisa me diz, sem que eu saiba como, que a nossa separação se aproxima. Podereis dizer-me o nome do homem que vimos deitado em seu leito mortuário?

O espírito dos Natais futuros transportou-o de novo para o bairro comercial. Parecia que o tempo havia passado. As novas visões já não tinham para ele nenhum nexo entre si, a não ser o de que representavam sempre o futuro, mas a imagem de Scrooge não se via em parte alguma. Aliás, o espírito não parava, continuando sempre em seu caminho, como se se dirigisse para um fim determinado. Scrooge, em dado momento, suplicou-lhe que parasse um pouco.

– É neste beco, que agora estamos atravessando tão depressa, que se encontra meu escritório, e isso não é de hoje. Daqui estou a ver a casa. Deixai-me ver o que serei no futuro.

O fantasma parou, com a mão estendida para outra direção.

– A casa está lá, – exclamou Scrooge, por que me apontais para outro local?

O dedo do fantasma continuou inexoravelmente estendido.

Scrooge correu até à janela do seu escritório comercial, mas já não era o seu. A mobília tinha sido mudada, e sentado na poltrona achava-se um desconhecido.

O fantasma indicava sempre a mesma direção.

Scrooge foi ter com ele, e, perguntando a si mesmo onde poderia estar o seu próprio futuro, acompanhou o fantasma até o momento em que chegaram a uma grade de ferro, diante da qual se detiveram antes de entrar.

Era um cemitério. Ali, sem nenhuma dúvida, embaixo da terra, estaria aquele infeliz cujo nome lhe restava saber.

Que lugar pavoroso! Apertado entre capelas; cheio de sepulturas, invadido pelas ervas daninhas...

Oh, sim... Triste lugar!

Em pé no meio dos túmulos, o espírito designava-lhe um túmulo. Scrooge caminhou para ali a tremer.

Embora o aspecto do fantasma não tivesse mudado, Scrooge receava ver, em sua forma espectral, uma nova e terrível significação.

– Antes de aproximar-me desta pedra que me apontais, – disse ele, – respondei, Espírito, à minha pergunta: Estas imagens representam o que deve ou o que poderia acontecer?

O fantasma continuava a indicar o túmulo perto do qual se achava.

–A conduta de um homem pode fazer prever o seu fim, – disse Scrooge, – mas se ele muda de vida, também o seu fim não será modificado? Dizei-me se assim é que devo entender tudo o que me tendes mostrado.

O espírito continuou imóvel.

Então, continuando a tremer, Scrooge inclinou-se para diante. Guiado pelo dedo sempre estendido do fantasma, leu sobre a lápide desta sepultura abandonada o seu próprio nome: Ebenezer Scrooge.

– Então, era eu o homem estendido sobre o leito?

O dedo que apontava a inscrição dirigiu-se para Scrooge, depois voltou ao túmulo.

– Não, não, Espírito! Por piedade! Isso não!...

O dedo continuou imóvel.

– Espírito, exclamou Scrooge, agarrando-se ao seu manto, ouvi-me! Não sou mais o homem que fui. Já não serei o homem que teria sido sem a vossa intervenção. Por que mostrar-me todas estas coisas, se toda esperança está perdida para mim?

Pela primeira vez a mão pareceu estremecer.

– Bom Espírito, – prosseguiu, prostrando-se por terra diante dele, eu sei que no fundo de vós mesmo tendes compaixão de mim. Dizei-me que, reformando minha vida, poderei transformar estas imagens que me mostrastes.

A mão pareceu ter um gesto de benevolência.

– Honrarei o Natal com todas as veras de minha alma e prometo guardar o vosso espírito durante todo o ano. Viverei no presente, no passado e no futuro. A lembrança dos três Espíritos do Natal me ajudará a transformar-me, e eu jamais serei surdo às lições que me ensinaram. Oh! dizei-me que posso apagar o nome escrito sobre esta lápide!

Em sua angústia, Scrooge tomou a mão do espectro. Este tentou desvencilhar-se, mas Scrooge a reteve com uma pressão de súplica. Mais forte que ele, porém, o fantasma o repeliu.

Então, como Scrooge erguesse as mãos numa suprema prece, viu que uma alteração se estava produzindo na forma do fantasma, que se retraiu, diminuiu, e finalmente se transformou numa das colunas da cama.




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