domingo, 5 de março de 2017

Charles Dickens: Um Conto de Natal 11

Um Conto de Natal


Charles Dickens

11



QUARTA ESTROFE  
O último dos três espíritos 


Lentamente, no meio de um profundo silêncio, o fantasma aproximou-se.

Quando chegou perto de Scrooge, este sentiu que as pernas se lhe dobravam, pois o espírito parecia espalhar em torno de si uma atmosfera de mistério e tristeza.

Estava envolto num espesso manto negro, que lhe ocultava a cabeça, o rosto e todas as formas do corpo, não deixando visível senão uma das mãos.

Sem esta mão, teria sido difícil distinguir, dentro da noite, esta forma sombria, quase identificada com a funda escuridão do ambiente.

De perto, Scrooge notou que o fantasma tinha uma estatura imponente, e que sua misteriosa presença lhe inspirava um sagrado terror. Nada mais pôde saber, porque o espírito conservava-se imóvel e silencioso.

– Estarei em presença do espírito dos Natais futuros? – perguntou Scrooge.

O espírito não respondeu, mas apontou o caminho com a mão.

– Ireis mostrar-me coisas que ainda não aconteceram, mas que estão para acontecer, não é verdade, Espírito?

A parte superior do manto moveu-se por um instante, como se o espírito inclinasse a cabeça em sinal de assentimento. Foi essa a sua única resposta.

Embora já habituado à convivência com os espíritos, Scrooge sentiu-se desta vez tão perturbado com esta muda aparição, que suas pernas tremiam e quase não podia conservar-se em pé.

Como se tivesse compreendido a situação e quisesse dar-lhe tempo para refazer-se, o espírito esperou um instante. Scrooge, porém, sentiu-se ainda mais perturbado; causava-lhe um vago e impreciso terror o pensamento de que, atrás daquele escuro manto, havia dois olhos a fixá-lo; mas ele mesmo, por mais que se esforçasse por distingui-los, não via mais que uma lívida mão como parte da massa informe.

– Espírito do futuro, – exclamou ele, eu vos temo ainda mais que a todos os outros espíritos que vi até hoje, mas como sei que tendes por objetivo a minha reabilitação, e como desejo ser um homem melhor do que tenho sido, estou pronto a seguir-vos com toda a gratidão. Nada tendes a dizer-me?

O fantasma conservou-se calado. A mão continuava estendida na mesma direção.

– Guiai-me, guiai-me! – disse Scrooge. – A noite avança, e as horas que passam têm grande valor para mim. Guiai-me, espírito, guiai-me!

O fantasma começou a afastar-se, do mesmo modo como se tinha aproximado. Scrooge seguiu-o, acompanhando a sombra do seu manto, que, parecia-lhe, o arrebatava e o arrastava.


Não se poderia dizer que se dirigiam para a cidade, pois foi a cidade que pareceu surgir diante deles.

Ambos se acharam, subitamente, no coração da cidade, na Bolsa, no meio de uma multidão de homens de negócios, que iam e vinham, com ar agitado, que conversavam em grupos, que consultavam os relógios, que faziam tilintar suas moedas no bolso ou brincavam, preocupados, com seus sinetes dependurados na corrente do relógio em forma de berloques, tais, em uma palavra, como Scrooge costumava vê-los.

O espírito deteve-se em frente a um pequeno grupo de corretores da Bolsa. Scrooge, notando que a mão apontava para eles, aproximou-se para ouvir o que diziam.

– Não, – dizia um senhor alto e gordo, possuidor de um enorme queixo– , não sei mais nada. Só sei que ele morreu.

– Quando isso? – perguntou outro.

– À noite passada, creio.

– E de que morreu? – perguntou um terceiro, tomando uma ampla pitada numa larga tabaqueira. Eu pensei que ele fosse eterno.

– Não sei de que morreu, – tornou o primeiro abrindo a boca.

– A quem teria deixado todo o seu dinheiro? – perguntou um cavalheiro de rosto congestionado, cujo nariz apresentava uma excrescência que se balançava como o papo de um peru.

– Nem sei, – respondeu o homem do queixo enorme, abrindo a boca novamente. – Talvez o tenha deixado à sua sociedade. Em todo caso, o que posso afirmar é que não foi a mim que ele o deixou.

Uma risada geral acolheu a pilhéria.

– Será talvez um enterro bem pobre, – continuou ele –, pois não vejo, palavra de honra, quem se dê o trabalho de o acompanhar. Em todo caso, vamos lá para fazer número.

– Eu só irei se depois me oferecerem um almoço, respondeu o cavalheiro do nariz de pelote.

Novas risadas acolheram o gracejo.

– Pois eu sou mais desinteressado que todos vocês, – respondeu o primeiro interlocutor, porque não tenho luvas pretas e não me incomodo com o almoço. Mas se alguém quiser acompanhar-me estou pronto a ir. No fundo, parece-me que eu era um dos seus mais íntimos amigos, pois toda vez que nos encontrávamos, gostávamos de parar e conversar um instante. Passem bem, senhores.

Todos se afastaram e foram juntar-se a outros grupos.

Scrooge, que conhecia aquelas pessoas, voltou-se para o espírito para pedir uma explicação, mas o fantasma o levou para uma rua e lhe apontou com o dedo dois senhores que acabavam de se encontrar. Julgando que sua palestra o esclareceria, pôs-se a escutar de novo.

Scrooge conhecia-os também perfeitamente. Eram dois homens de negócios, riquíssimos e muito considerados. Scrooge sempre fizera muita questão da estima deles, mas, expliquemos, exclusivamente do ponto de vista comercial.

– Como vai? – disse um.

– Muito bem. E você? – respondeu o outro.

– Olhe, – tornou o primeiro –, o senhor Harpagão liquidou sua última conta.

– Já soube? – respondeu o segundo. Que frio. Não acha?

– É da época. Você quer patinar?

– Não, obrigado. Tenho outra coisa a fazer. Até logo.

Nada mais. Tais foram seu encontro e sua palestra.
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