quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O Brasil nação - v1: § 11 – D. Pedro IV - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 1 
os frutos do 7 de setembro




§ 11 – D. Pedro IV




O Sr. Oliveira Lima mostra acreditar que Pedro I estava disposto, em 1826, a ser bicoroado: “por que não continuariam as coisas (o reinado de D. João VI, no Brasil) com a simples mudança do título de rei para o de imperador?”59  É, essa, uma conclusão que se impõe – para dar expressão a lógica do tratado. D. João VI fez as coisas muito bem, na carta régia: elevou o Brasil a Império, tomou o título de imperador, e cedeu-o ao filho e sucessor, nessa mesma qualidade de legítimo imperador... Tanto vale dizer: o intuito definido na carta régia era reunir o Brasil a Portugal. Por isso mesmo, ocultaram-na dos brasileiros. Em toda ela, já se trata do Império reconhecido como formalmente unido a Portugal: 

...o título de príncipe ou Princesa imperial do Brasil e real de Portugal e Algarves será conferido ao príncipe ou Princesa herdeiro ou herdeira das duas coroas imperial e real... Os naturais do reino de Portugal e seus domínios serão considerados, no Império do Brasil, como brasileiros e os naturais do Império do Brasil, no Reino de Portugal e seus domínios, como portugueses.

Neste conforme, extinto D. João VI, seguiram-se as coisas, em Portugal, muito logicamente – como se D. Pedro tivesse de ser (e o foi) o novo rei, o D. Pedro IV da série:


59 Reconhecimento, pág. 128.


A Regência (instituída por ocasião da morte de D. João VI), considerando que seria mais consentâneo com os interesses de Portugal a conservação das duas coroas na linha primogênita da Casa Real de Bragança, contando com o auxílio do gabinete inglês, decidiu-se a proclamar D. Pedro rei de Portugal.60

De acordo com Stuart, o imperador do Brasil empossou-se na coroa de Portugal, se bem que, sempre acovardado em face das reivindicações brasileiras, logo abdicou em favor da filha, então de 9 anos. Foi rei de Portugal, para deixar de ser; deixou de ser, para continuar reinando sobre Portugal. A abdicação, ele a fez na qualidade de dinasta de um país estrangeiro, e, abdicando, ele continuou, de fato, e de direito, rei de Portugal, pois que continuou a dirigir os negócios dali, pois que fizera a abdicação dependendo de condições que só se realizariam mais tarde – casamento da filha com D. Miguel, aceitação definitiva da constituição portuguesa por parte deste, condições que nunca se realizaram. E, assim, ele foi sempre – rei de Portugal: “D. Pedro, não obstante a sua abdicação, continuava a proceder como se nas mesmas mãos estivesse à administração daquele reino, e a do Brasil. Em todos os despachos relativos a administração de Portugal, sua majestade conservou o estilo de um monarca, e continuou a assinar-se D. Pedro IV”.61  Na lógica desse proceder, D. Pedro IV anulou, acintosamente, a deputação enviada pela Regência de Portugal, para ajustar os negócios do reino. Deu-se, porém, que, nem o ministério da infanta regente concordou com os atos e decisões de D. Pedro

60 Armitage, op. cit., pág. 110. 
61 Armitage, op. cit., pág. 141. O historiador, que foi, no caso, um simples anotador do que via, consigna muitas providências, em negócios privativos de Portugal, custeadas pelos cofres do Brasil, assim como muitos atos de suma importância, na vida de Portugal, e que eram decididos por D. Pedro, sem ser ouvido o Conselho de Portugal.


IV, a quem reconhecia como rei, nem D. Miguel aquiesceu em vir ao Brasil, ser prisioneiro do respectivo imperador, e, diante de vontades que ostensivamente afrontavam a sua, D. Pedro, como sempre, se dobrou: mais uma vez abdicou absolutamente, e sem mais condições, à coroa de Portugal, nomeando o irmão revel – seu lugar-tenente regente de Portugal.62  Desta sorte, tomado pelos negócios do seu reino europeu, assoberbado por dificuldades de lá, decidiu-se o imperador do Brasil a sacrificar as suas pretensões no Prata, e tratou de fazer pazes, fossem quais fossem. O inglês interveio, para aproveitar o que pudesse da emergência, e, assim, foi definitivamente abandonada a Cisplatina, ao mesmo tempo que se realizava a paz com a Argentina. 

Finalmente, a insânia grosseira e feroz de D. Miguel se declara numa revolução absolutista, e que era, de fato, contra o irmão – a querer fixar na cabeça da filha a coroa de Portugal. Com isso, D. Pedro que, no Brasil constitucional, nunca fora senão monarca absolutista, apareceu, mais uma vez, a explorar a bandeira constitucional, defendendo, em nome da constituição do Chalaça, o trono de D. Maria, contra as pretensões do irmão. Desde os primeiros momentos da contenda,

os periódicos ministeriais do Rio de Janeiro tornaram-se suspeitosamente constitucionais em suas teorias, e principiaram a preparar gradualmente o público para ver o Brasil envolvido na contenda da sucessão portuguesa... A toda essa interferência os liberais (brasileiros) opunham-se inflexivelmente.63
 

62 O. Lima (Reconhecimento, pág. 9), deixa patente que o governo do imperador, em 1824, teria entregue ao governo inglês o Tenente Taylor, se a exigência fosse formal... 

63 Armitage, op. cit., págs. 169 e 195 – Foi em atenção a esses intuitos que Itabaiana (Gameiro) teve ordens de suspender o serviço do empréstimo português (tratado de Reconhecimento), para aplicar as respectivas importâncias em manter os emigrados portugueses, na Inglaterra, e na compra de armas e navios, quando se preparava a expedição que, depois, foi inutilizada pelo governo inglês. Chegou a coisa a ponto que ante as reclamações do gabinete de Londres, foi demitido o mesmo Itabaiana. A providência não alterou a essência do proceder de Pedro I. O seu representante, e muito amigo, então, e general diplomata Barbacena, representante do governo brasileiro, continuou a fazer as finanças da revolução pro-D. Maria II de Portugal. A esse propósito, afirma Drumond que Barbacena fora sócio de Pedro I nas negociatas dos empréstimos; mas como Barbacena era um homem, fez frente às insídias dele e arrostou corajosamente a sua inimizade.


O próprio governo inglês estranhou a obstinação do imperador em governar o reino, de cuja coroa abdicara, e lho disse explicitamente, na nota apresentada por Lord Aberdeen, sendo primeiro ministro o Welington: “Todos os males de Portugal – perturbações de 1828, só devem ser atribuídos à falta de uma política franca, coerente e reta, da parte do governo do Brasil”, consigna a mesma nota. É que o gabinete de Londres estava fatigado dos efeitos dessa política de Pedro I, quando pretendia fazer da Inglaterra o centro dos recursos para combater o governo de D. Miguel. 

Era, toda essa política imperial, uma serie de dificuldades e ônus criados para o Brasil, sem que os brasileiros pudessem conhecer-lhes os intuitos, e, muitas vezes, nem os processos:

Todos aqueles negócios eram um enigma para os brasileiros, e assim teriam continuado, se o Marquês de Barbacena, em extremo irritado com o decreto que parecia acusá-lo de fraudulento e falsário, não publicasse uma exposição de todas as transações. Com esta publicação, apareceram, também, o extrato de cartas, que D. Pedro de certo, nunca pensou que chegassem ao conhecimento de mais ninguém: tornaram-se, portanto, irreconciliáveis, inimigos.64

Pedro I desistiu, finalmente, de ser IV de Portugal, isto é, não teve coragem de fazer a reunião em 1827, como o não tivera em

64 Armitage, op. cit., págs. 195 e 196.


1823. Não significa isto, porém, que não tivesse havido o plano. O recuo foi, apenas, falta de ânimo, e, não qualquer respeito a compromissos constitucionais. A carta régia da abdicação, de 1826, é a prova do seu desrespeito à situação de imperador do Brasil, e do como se considerava, ele, soberano de Portugal, bem no exercício dessa soberania: “...sendo incompatível com os interesses do Brasil e de Portugal que eu continue a ser rei de Portugal... esta minha abdicação não se verificará se faltar qualquer das condições...” E ele voltaria a ser rei de Portugal, pois que só agia para os seus exclusivos interesses, com alma de puro português, para quem a união continuava a ser um desejo vivaz. 

Mal acabava de ser firmado o tratado de reconhecimento, e já um português bem representativo (a 6 de dezembro de 1825). fazia conhecer o seu – “Parecer sobre um projeto de pacto federativo fundamental, entre o império do Brasil e o reino de Portugal...” Lembra-o, o Sr. Pereira Sampaio (Bruno) – levado a reconhecer que esse desejo “teve sempre representação constante em Portugal”, e documenta-se, apelando para o código positivo dessa sonhada federação, publicado, em tempos, pelo Sr. Gama Machado, e para as páginas, de ontem, do contemporâneo Sr. Cunha e Costa. Mas, ao mesmo tempo, o Sr. Sampaio reconhece que a ideia sempre foi repetida no Brasil.65  Na época (1828), ao passo que o forte do partido português, chegando-se cada vez mais para Pedro I, o estimula nas suas pretensões de reunião, os brasileiros com voz para orientar a opinião, são intransigentemente, apaixonadamente contra qualquer aproximação com Portugal: “Seria o sinal, como o consigna Armitage, de uma revolução...” (pág. 181). A Assembleia dos Deputados foi tão potente na sua posição que, pela sua atitude, influiu de modo decisivo na queda de Pedro I. Ora, um dos motivos mais insistentes, e de mais efeito, era a política lusitana

65 Bruno, Brasil Mental, pág. 82.


do imperador, e o seu intuito patente de reunir... É evidente que políticos de tradicional sensatez, como Bernardo de Vasconcelos, Costa Carvalho (Montalegre), não se pronunciariam nos termos em que o fizeram, se não sentissem a ameaça muito perto, se tal ameaça não estivesse na consciência de todos. Os portugueses de hoje podem achar quimérica a política dos seus, naqueles dias, mas, no momento, a paixão dos interesses os levava para essa quimera, que para nós foi de malefícios. As próprias informações, em que Marshal, representante da Áustria (no Rio de Janeiro de Pedro I) demonstra ao seu governo – a inutilidade de todo esforço, no sentido de reunir o Brasil a Portugal, provam que havia um plano positivo, por parte do imperador, no fundo absolutista e partidário da união.





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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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Leia também:

O Brasil nação - v1: § 10 – A segunda investida para a reunião...  - Manoel Bomfim

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