domingo, 20 de novembro de 2016

O Brasil nação - v1: § 10 – A segunda investida para a reunião... - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 1 
os frutos do 7 de setembro




§ 10 – A segunda investida para a reunião... 




Se essa parte foi a mais ignóbil, por importar numa questão de desbrio por dinheiro, não foi a que mais comoveu os brasileiros capazes de bem julgar da situação; mas a ameaça da reunião, uma vez que todas as portas ficaram abertas a D. Pedro. Desde o primeiro momento das negociações, nas instruções aos mediadores, foi recomendado: “... se não faça menção (da sucessão), até que para o futuro, no silêncio das paixões e do furor dos partidos... possam as partes interessadas...” A parte confidencial das instruções chegava a ser explícita: D. Pedro, sucessor legítimo no trono de Portugal, tem de conservar a plenitude, implícita ao menos, dos seus direitos, mesmo porque, um belo dia, talvez lhe seja preciso acolher-se a Portugal... Stuart, que foi quem, finalmente, liquidou o caso, explica: “No momento, não valia a pena tocar no assunto, deixando-o tacitamente regulado pelas leis fundamentais da monarquia portuguesa”, que davam direito a D. Pedro. Essa era a recomendação do próprio Canning, ao mesmo Stuart: “A questão da sucessão decidia-se conforme a desejava D. João VI, com ardor não menor do que o governo britânico, isto é, em favor de 

D. Pedro, que poderia, se quisesse, usar do título de Príncipe Real de Portugal”
.53  Desde sempre, o gabinete de Londres patenteou


53 O. Lima, Reconh., págs. 109 e 201.


a decisão de garantir a casa de Bragança no trono do Brasil, e de empregar “os maiores esforços para que as suas coroas se conservassem na mesma cabeça, do legítimo soberano”.54  Isto se destaca nas páginas de Armitage:

Canning aconselhava que fosse o imperador reconhecido como herdeiro legítimo do trono de Portugal, para que se assegurasse por esse modo a continuada união dos dois países, que Mr. Canning julgava dever manter-se, ou para melhor dizer restabelecer, era justamente o que os brasileiros mais desejavam evitar... O predomínio português que se lhe pretendia impor, os privava dos principais foros por que tinham ardentemente pugnado... O reconhecimento do imperador, na qualidade de herdeiro legítimo à coroa portuguesa... caracterizava a reunião dos dois reinos, em que Mr. Canning insistia...55

54 Biker, Tratados, t. 12, pág. 389. 

55 Armitage, op. cit., págs. 93 e 109. 


Passado o tratado, D. João VI voltou a insistir, junto do governo inglês, para que lhe fosse dada a garantia de que D. Pedro, por sua morte, assumiria a coroa de Portugal. Responderam-lhe de Londres, ainda pela voz de Canning: “Não podemos garantir a D. Pedro um direito que ele próprio não poderia, talvez, ou não quereria reivindicar. Por si, D. Pedro parecia, ultimamente, inclinado a aceitar a coroa de Portugal. Quanto ao direito de sucessão, esse tinha sido escrupulosamente respeitado.” Recebida a notícia da assinatura do tratado, como o queria D. João VI, houve em Lisboa luminárias e o mais, correspondente ao júbilo de uma vitória. O povo português não achou que houvesse motivo de tanta alegria, pois que não via vantagens positivas numa longínqua possibilidade de reunião, quando os brasileiros podiam, muito bem, não concordar com a coisa. Pelo seu lado, o Brasil só via que, a dinheiro, haviam comprado uma independência já feita, e que assim se manteria, quer Portugal quisesse, quer não: e o tratado de reconhecimento foi um novo valo entre o imperador e a Nação. À medida que se tornavam conhecidos os termos do ignóbil arranjo de família, novos protestos se ouviam. Imagine-se que, nas últimas instruções ao seu representante, D. João VI pedia que o Brasil lhe fizesse uma renda especial, perpétua, para mais brilho da sua casa, e, com isto, oferecia, ao imperador, as armas de Portugal, toda vez que tais fossem precisas, para dominar qualquer veleidade dos liberais brasileiros.56  No arranjo, de pai para filho, ficara combinado que Portugal não publicaria a carta régia, em que se baseava o tratado; mas, tal foi o orgulho da vitória, que o governo de Lisboa não se conteve, e ostentou-a, publicando a mesma carta, em termos que, no entanto, não tinham sido aceitos no Rio de Janeiro. Armitage, nota que o governo brasileiro ficou indignado com essa falta de lealdade, mas, explicitamente, põe duvidas sobre a sinceridade da indignação, mostrando que tudo não passava de uma satisfação, em vista das repetidas acusações, que republicanos e constitucionais faziam ao imperador. A expressão de sinceridade está nas palavras que ele escreve ao pai, ao termo das negociações: “... fiz de minha parte tudo quanto podia... V. M. alcançou todas as suas reais pretensões...” Quando se fez a Independência, para iludir os ingênuos brasileiros, o futuro imperador ostentava desamor a Portugal, desamor que ia até o vitupério, e timbrava em afirmar que, dali, nada queria;57  mas, agora, considerando-se seguro na posse do Brasil,


56 Biker, op. cit. t. XIII e XVIII, 101 e 354. 

57 Nenhum melhor testemunho do que o do primeiro ministro de Pedro I: “... irá de mal a pior com a morte do pai e com a sucessão do trono português, de que me dizia não queria nada, nada e nada. Quem me diria a mim que eu tinha inspirações de profeta!” As sublinhas são do próprio José Bonifácio – Carta de 4 de abril de 1826, a Drummond.


restabelecida a paz na família, ele se considerou logo o necessário sucessor de D. João VI, e passou a tratar o velho reino como coisa sua: “Vencidas as dificuldades da política, interna e externa, D. Pedro menos coacto, já não fala em cortar as ligações que pudessem prendê-lo a Portugal. Bem pelo contrário, não oculta aos seus afeiçoados ‘o propósito de felicitar o futuro reino europeu pela outorga de uma carta constitucional’”. Esses afeiçoados eram o Chalaça e os companheiros. De fato, foi este um dos encarregados, diz-nos Drumond, de redigir a constituição dada a Portugal. Não há mais motivo para dissimulação, e, até um Moreira de Azevedo,58  o constante denegridor dos democratas republicanos de 1830, terá de constatar o fato:

Era D. Pedro português, e o antagonismo entre brasileiros e portugueses que se foi tornando mais saliente desde que se viu o imperador proteger interesses e intrometer-se nas intrigas do governo de Portugal, cooperou para exacerbar o ódio dos brasileiros, que começaram a considerar o seu soberano como absolutista e estrangeiro. Cresceu de dia para dia a luta entre o povo e D. Pedro... 

58 História Pátria, pág. 11. 

Este último conceito encerra grande verdade, essencial, para a compreensão da longa crise, em que se atolou definitivamente a política brasileira: a luta de 1826-31 não foi entre D. Pedro e a Assembleia dos deputados, mas entre o representante do Estado português implantado no Brasil, e o povo – o legítimo espírito nacional. Teremos de insistir nas consequências deste fato, cujo aspecto mais frisante é a qualidade de estrangeiro-hostil, como se apresentava Pedro I à nação brasileira. Não havia, finalmente, em D. Pedro, nenhum desses motivos íntimos que levam a sentir a nacionalidade, a incluir nela o próprio destino. A realidade dele estava nessa alma de Bragança e nesse empenho com que, dada a morte do pai, ele entrou na política inteira de Portugal.




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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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