quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

O Brasil nação - v1: § 21 – Revolução deve ser revolução... - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 2
a reação da nacionalidade






§ 21 – Revolução deve ser revolução... 




Nas atitudes individuais, para ações características, o mais importante vem dos motivos instintivos, profundos. Se há motivos exteriores que obriguem, ou levem, a organizar e conformar as atitudes em oposição com esses motivos íntimos, todo o caráter se desnatura e se perverte. Também as nacionalidades não suportam que as suas solicitações íntimas e necessárias sejam sistematicamente contrariadas por qualquer política ou regime que a elas se oponha. Se o espírito de nacionalidade pôde estimular o Brasil para luta pertinaz e viva, com que abateu o primeiro Império, é porque havia desses motivos profundos e essenciais, na realidade da nação brasileira. Por isso mesmo, a crise de 1831 não se podia reduzir à solução simples e nula que lhe deram. Os verdadeiros revolucionários (exaltados, sim, na consciência desses motivos íntimos) não se podiam contentar com o desfecho írrito e antinacional que os moderados lhe deram, ansiosos de fazer da revolução o simples repasto das suas curtas ambições. Qualquer que seja o resultado de uma revolução liberal, há sempre, conduzindo-a, a intuição de uma conquista a realizar, e de uma classe a substituir revolução está frustrada, se os efeitos não correspondem a essa mesma intuição. 

Para os fins nacionais, antes a derrota definitiva da revolução, do que o seu desvirtuamento e desprestígio, em mãos de moderados. No caso do Brasil – contra o primeiro Império, os efeitos de moderação foram mais do que o malogro de uma revolução: valeram como o desastre definitivo, no refazer de política nacional e democrática, pelo reinfeccionamento do organismo nacional, que, dificilmente, penosamente, lutava contra uma longa e extensa contaminação. Em 1822, a nação, empenhada em afirmar-se livremente, fora ludibriada, pois que todo o resultado do seu esforço pela independência deu em resultado guardar-se o Estado português, armado numa constituição arranjada em beneficio do poder moderador e do Senado vitalício, exercício de uma soberania sem contraste, sobre a soberania nacional, num império monstruosamente centralizado. Daí derivara aquela absoluta necessidade de repetir a revolução – para organizar o país democraticamente, no sentido das tradições esboçadas. Nestas condições, se a nova revolução se anula na covardia interesseira e sensata dos moderados, o país terá esgotado as energias de renovação. 

E foi o que se deu. No Brasil de 1831, como no de 1822, anunciava-se, exigentemente, uma nova ordem de coisas, inassimilável à antiga, e que, para corresponder legítima e sinceramente às aspirações e necessidades nacionais, tinha que se substituir completamente à ordem anterior, eliminando todos os seus fatores. No entanto, não foi o que se fez em 1822, nem, tampouco, em 1831... E, com a agravante, agora, de que o movimento iniciado em 1824, explícito em 1826, culminante em 1831, trazia motivos longamente meditados nas consciências, aspirações já radicadas nos espíritos dos revolucionários, em vista de uma repetida experiência. Daí, esse ímpeto seguro, que não podia ser abafado em moderatismo, sem que toda a obra da revolução se ressentisse. De 1826 em diante, a campanha contra o Império foi uma enchente – de ardor, crença, fé, expansão sentimental, exaltação confiante e juvenil... Sobre esse referver salutar e depurador, os grandes moderados de 1831 se puseram como um tampo: produziram-se, desde logo, as inevitáveis explosões, que, sendo dos vencedores da véspera contra companheiros de campanha, mais enfraquecia a uns e outros, sem meios de ser uma vitória decisiva. Repetem-se os ímpetos dos exaltados, já estramalhados, e que não são facilmente dominados: os vencidos se desmoralizam na derrota; os vencedores se pervertem no uso do poder, e, com isso, derramam-se as desilusões, multiplicam-se os ódios, em proveito, exclusivamente, da reação conservadora, os incorrigíveis instrumentos do bragantismo – os Paranaguá, José Clemente, Calmon, Araújo Lima... Não tarda que com eles se confundam muitos dos lutadores da véspera, almas fortes, mas destituídas de escrúpulos, sem ideais, escravos da ambição rasteira de mando. São os Vasconcelos e os Hermeto, que dão os novos conservadores, agravação do moderatismo, para que neles se constitua a futura política – segundo Império, despejada de preocupações de civismo, e que só não é nula para a nação, porque se converte num amortalhamento em misérias. Lemos os cronistas e comentadores, que foram dos próprios dias, e a nota dominante, neles, qualquer que seja o seu sabor político, é a de uma degradação absoluta das gentes, no universal abandono de convicções, e, mesmo, de princípios confessáveis, se se comparam aos processos e os motivos que conduziram a política de 1829 a 37... As páginas de história, mesmo nos que mais chegam às honras e aos proveitos do trono – Varnhagem, Macedo, Pereira da Silva, Moreira Azevedo... são, em todos eles, o reflexo de uma parábola: a nacionalidade que se desprendeu em surto de gloriosos destinos, alcançando eliminar o que lhe parecia a dificuldade máxima, inclina-se e cai, na confusão inglória e desbriada – dos celebrados dois partidos do segundo Império. Todas essas penas, que se faziam imprimir na maior pujança de Pedro II, são obrigadas a multiplicar as jeremiadas, quando reclamam o brio, o desinteresse, o tom de ação honesta e convencida dos homens de 1826-32... implicando, as mesmas lamúrias, uma comparação deprimente com as chatezas e os aviltamentos, do mundo em que eles, historiadores, viviam

De fato, a convicção, o vigor e a intransigência, com que se faziam as reivindicações contra o primeiro Império, eram de um movimento genuinamente nacional e popular, arrastando a sociedade inteira, inclusive os trôpegos bacharéis de Coimbra, candidatos à política da nação. Era um movimento que dizia com a vida completa da sociedade nacional – sentimentos, instituições, costumes, pensamento... Os homens representativos, mesmo alguns que já pertenciam à camada de dirigentes, eram ânimos que ainda refletiam a alma da nação, e tanto se distinguiam dos figurantes da política imperial que, parecia, não haveria, nunca, encontro de ação entre uns e outros: os democratas de 1827, e os marqueses – esturricados, ou fofos, sem ideias, sem brasileirismo e sem coração para a justiça. Deste modo se explica que a crise de eliminação fosse como o fácil e simples efeito de um drástico, e que a Nação inteira concorresse para esse efeito. No entanto, foi um mal a facilidade e a presteza com que o imperador se deixou expelir: afigurou-se aos ingênuos (para exploração dos velhacos) que tudo estava feito com a simples dejeção. Ora, isto era o mínimo; era apenas o começo. 

Admitir que bastasse o afastamento do príncipe, era fazer o próprio jogo dele, que, verificando a situação, reconhecera a necessidade de, mais uma vez, transigir, a fim de salvar o regime – na sua dinastia. E ele transigiu em 1831, como em 1821. Então, transigira – ficando; agora, transigia – partindo. Desta sorte, a obra da revolução, para atender os reclamos do país iludido em 1822, tinha de ser a reforma dos programas e das instituições, com a substituição completa das gentes, indo-se à República, essência das tradições nacionais. Guardara-se o príncipe, em 1822, para facilitar a Independência; mas, uma vez que ele próprio reconhecia impossível a soberania brasileira com o regime que então se criara, era esse regime que se devia afastar. O critério lógico e justo, para solução da crise, era o dos renitentes revolucionários, a insistir em que a revolução fora frustrada e estava incompleta. Para eles, não era o aventureiro coroado o objeto atacado, mas o Estado português, que com ele se implantara no país, e que só podia ser eliminado com a adoção do regime democrático republicano. A revolução de 1831 vinha fazer o que a de 1822 não fizera: vinha curar o mal que a independência agravara. No momento, nada se obtivera contra os botes das ambições mesquinhas de uns, e o emperramento de outros. Na covardia do grande número, os mais trêfegos e mais destemidos dentre os moderados, no seu acanalhamento, impuseram a sua vontade ao partido, e, em 1832, já era patente que a revolução fora frustrada. Frustrada, sim, porque não havia, razoavelmente, nada a conservar, nem do regime, nem da gente, em que se organizara o bragantismo de 1823-24. É histórico: o Brasil esteve em crise desde o ataque do embusteiro à Assembleia Constituinte. Desse ataque saiu a constituição que anulava a nação para a liberdade; é lógico que o essencial, no ataque ao Império, era eliminar a constituição dos marqueses, A situação resultante dessa oposição intransigente – de dez anos, e que vencera em 1831, era nimiamente, excepcionalmente, salutarmente revolucionária: exigia, pela natureza mesmo das causas, um novo equilíbrio político, em que se eliminasse o bragantismo. Não foi assim: o governo teve que voltar aos restos dos marqueses da de Santos, continuado nos outros marqueses e viscondes, e o Brasil teve que continuar a pregar e pedir revolução.





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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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Leia também:

O Brasil nação - v1: § 20 – O novo malogro - Manoel Bomfim

O Brasil nação - v1: § 22 – A insânia da sensatez - Manoel Bomfim

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