quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Edgar Allan Poe - O Gato Preto - 07

Edgar Allan Poe




#conto de terror, mistério e morte



07. O Gato Preto



Para um objetivo semelhante estava a adega bem adaptada. Suas paredes eram de construção descuidada e tinham sido ultimamente recobertas, por completo, de um reboco grosseiro, cujo endurecimento a umidade da atmosfera impedira. Além disso, em uma das paredes havia uma saliência causada por uma falsa chaminé ou lareira que fora tapada para não se diferençar do resto da adega. Não tive dúvidas de que poderia prontamente retirar os tijolos naquele ponto, introduzir o cadáver e emparedar tudo como antes, de modo que olhar algum pudesse descobrir qualquer coisa suspeita. E não me enganei nesse cálculo. Por meio do um gancho, desalojei facilmente os tijolos e, tendo cuidadosamente depositado o corpo contra a parede interna, sustentei-o nessa posição, enquanto, com pequeno trabalho, repus toda a parede no seu estado primitivo. Tendo procurado argamassa, areia e fibra, com todas as precauções possíveis, preparei um estuque que não podia ser distinguido do antigo e com ele, cuidadosamente, recobri o novo entijolamento. Quando terminei, senti-me satisfeito por ver que tudo estava direito. A parede não apresentava a menor aparência de ter sido modificada. Fiz a limpeza do chão, com o mais minucioso cuidado. Olhei em torno com ar triunfal e disse a mim mesmo: "Aqui, pelo menos pois, meu trabalho não foi em vão!" 



Tratei, em seguida, de procurar o animal que fora causa de tamanha desgraça, pois resolvera afinal decididamente matá-lo. Se tivesse podido encontrá-lo naquele instante, não poderia haver dúvida a respeito de sua sorte. Mas parecia que o manhoso animal ficara alarmado com a violência de minha cólera anterior e evitava arrostar a minha raiva do momento.

É impossível descrever ou imaginar a profunda e abençoada sensação de alívio que a ausência da detestada criatura causava no meu íntimo. Não me apareceu durante a noite. E assim, por uma noite pelo menos, desde que ele havia entrado pela casa, dormi profunda e tranqüilamente. Sim, dormi, mesmo com o peso de uma morte na alma.

O segundo e o terceiro dia se passaram e, no entanto, o meu carrasco não apareceu. Mais uma vez respirei como um livre. Aterrorizado, o monstro abandonara a casa para sempre! Não mais o veria! Minha ventura era suprema! Muito pouco me perturbava a culpa de minha negra ação. Poucos interrogatórios foram feitos e tinham sido prontamente respondidos. Dera-se mesmo uma busca, mas, sem dúvida, nada foi encontrado. Considerava assegurada a minha futura felicidade.

No quarto dia depois do crime, chegou, bastante inesperadamente à casa um grupo de policiais, que procedeu de novo a investigação dos lugares. Confiando, porém, na impenetrabilidade do meu esconderijo, não senti o menor incômodo. Os agentes ordenaram-me que os acompanhasse em sua busca. Nenhum escaninho ou recanto deixaram inexplorado. Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram à adega. Nenhum músculo meu estremeceu. Meu coração batia calmamente, como o de quem dorme o sono da inocência. Caminhava pela adega de ponta a ponta; cruzei os braços no peito e passeava tranqüilo para lá e para cá. Os policiais ficaram inteiramente satisfeitos e prepararam-se para partir. O júbilo de coração era demasiado forte para ser contido. Ardia por dizer ao menos uma palavra, a modo de triunfo, e para tornar indubitavelmente segura a certeza neles de minha inculpabilidade.

- Senhores - disse, por fim, quando o grupo subia a escada - sinto-me encantado por ter desfeito suas suspeitas. Desejo a todos saúde e um pouco mais de cortesia. A propósito, cavalheiros, esta é uma casa muito bem construída. . . (no meu violento desejo de dizer alguma coisa com desembaraço, eu mal sabia o que ia falando). Posso afirmar que é uma casa excelentemente bem construída. Estas paredes.. . já vão indo, senhores?. . . estas paredes estão solidamente edificadas.Por simples frenesi de bravata, bati pesadamente com uma bengala que tinha na mão justamente naquela parte do entijolamento, por trás do qual estava o cadáver da mulher de meu coração.

Mas praza a Deus proteger-me e livrar-me das garras do demônio! Apenas mergulhou no silêncio a repercussão de minhas pancadas e logo respondeu-me uma voz do túmulo. Um gemido, a princípio velado e entrecortado como o soluçar de uma criança, que depois, rapidamente se avolumou, num grito prolongado, alto e contínuo, extremamente anormal e inumano, um urro, um guincho lamentoso, meio de horror e meio de triunfo, como só do Inferno se pode erguer a um tempo, das gargantas dos danados na sua agonia, e dos demônios que exultam na danação.



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Edgar Allan Poe - O Gato Preto - 08


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