quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Histórias de avoinha: Josino - Uma intimidade de siô e escravo 06B

Josino

Uma intimidade de siô e escravo
Ensaio 06B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



Grabiela carregô a água aquecida inté a tina no quarto de banho. Misturava a fria na fervura pra ficá no gosto de entrá e não querê saí. Depois de tê conseguido o ponto do gosto qui tava acostumada de encontrá foi chamá a siá

Siá Casta... siá Casta... o banho tá pronto, a mulhé toda brancura da casa grande saiu do quarto de dormí, caminhava dentro do seu camisolão quarado e cândido de banho, ele descia inté os pé no chão. Parecia uma mulhé fantasma de tão parecida qui tava com gente morta. Inté parecia otra

Bom dia, Grabiela Milagres, a mucamba se parô bem parada, não sabia o qui respondê, pensô qui a siá tava com contratempo na lembrança do seu nome batizado, qui o siô Clemente tinha questão de dizê e ouví dizê. Era mais um feitio do siô afirmá qui elé mandava na vida de tudo na fazenda, inté nos nome de chamá e verificá os preto. O feitio dos preto resistí era desinventá o qui o siô da siá Casta inventava. Foi a primeira vez qui a siá lhe usô o nome da desinvenção e ajuntô nele o qui diferençava dela sê uma coisa inventada: Milagres.

Assim, Milagres não era mais uma mulhé invisível, era o nome qui a terra lhe havia dado. Ela e o nome crescia do baobá qui tinha ficado nas terra da mãe, mais continuava nas cabeça qui tinha cabeça pra lembrá.

Josino, ocê sabe o qui é sê invisível, gostava das cara qui ele atinava de ajeitá pra modo de me fazê rí enquanto procurava as resposta. Sabia qui a pergunta feita fez o meu preto ficá perturbado. Quando achô a resposta qui tava escondida nos pensamento da cabeça a máscara qui ele mostrô foi a feição da dô, pra respondê a resposta pensô mais qui o seu costume. Parecia qui as palavra qui carregava nas costa tinha mais sofrimento qui as marca da chibata

É sê assim como tu, como eu... tem vez, ele parô de me oiá e atirô as vista nos gáio mais alto, parecia querê qui o vento nos gáio pudesse carregá com ele e eu. Muitas vez, a vontade de pensá dói tanto, minha preta, qui é preciso meió fechá as vista e se imaginá nas história dos mais véio, vivendo nas terra qui é a mãe qui faz nascê e crescê a vida sem medo

Assim, como?

Ele parecia tê tudo pronto nos conhecimento da cabeça, mais quanto mais ficava com os pensamento atinado e livre mais entristecia, não conhecia truque qui pudesse fazê das corrente uma mentira, uma imaginação

Minha preta do coração, minha Milagres das vontade da carne, a gente inté pode existí, mais nóis não existi de verdade, oiei nas vista do meu homem, enfiei os dedo na lã carapinhada dos cabelo e fiz ele me prestatenção

Escuta as palavra qui vô dizê, ele se parô com os óio arregalado, parecia assustado com as palavra do meu pensamento qui ia escutá. Beijei os lábio grosso e carnudo, qui só os preto sabe tê gosto de apreciá, saí do abraço dele, depois escorei as mão no peito arredondado, uma delícia de beijá aquelas duas pontinha, fiquei na lonjura de sentí o calô da respiração qui ia e vinha, escuta bem, meu preto, os branco domina a força das chave qui fecha as corrente, mais não governa as força da terra qui é fazedora de nascê os preto, cada dia mais, eles parece gente atordoada e baralhada pelos vento do tempo e as semeadura da terra.

Parei de falá, queria oiá ele dizê qui não era assim qui precisava acontecê, mais se tinha qui sê, ia sê assim, os preto semeando a semeadura da vida. Continuava deitado com as costa na rede de pedra, guardando os pensamento. Escorreguei a mão inté as virilha e agarrei ele com força

Meu preto, vai chegá o tempo de ninguém podê dizê qui é branco e não é preto. Ainda não chegô esse tempo, mais vai chegá. E o branco mais branco vai sê preto. Ocê tá escutando...

Bom dia, Grabiela Milagres.

Abri e fechei as vista, queria sabê vê onde tava, podia tá nos pensamento qui ajuntava otra vida, mais as carne não podia tá tão longe, eu tava ali, no quarto de banho da siá, a mucamba precisava acordá dos pensamento

Bom dia, siá Casta... a mucamba oiô a mulhé na sua frente, a cô da pele, o nariz, o cabelo, não era o mesmo, parecia duas mulhé diferente. A mucamba foi destinada pela ganância, preguiça e egoísmo dos branco a sê escrava e obedecê; a sinhazinha parecia tê sido escolhida pela Siá da obra santa pra sê livre e mandá. Elas não vestia as mesma vestimenta da vida, uma recebia o qui a otra não tinha. Pensô qui nada ficava no acaso, tudo era controlado pelo siô das duas.

Dona Casta, a sinhá pode ter qualquer escrava para o seu próprio uso, a mulhé branca escutava, aquelas era as palavra do siô qui lhe dava consentimento de usá as suas propriedade. Teve vontade de lembra ao siô qui as riqueza era do pai dela, e não dele. A vontade e o direito de usá devia sê dela

Obrigada, sinhozinho... mas vou continuar com a Grabiela, parô as palavra dita, pediu perdão pelo descuido e fez a correção, Gabriela. Vou continuar com os seus serviços, estou satisfeita.

A sinhá é quem sabe das suas necessidades, mas precisa dar jeito de controlar o relaxamento e o desânimo da negra, ele falava, falava, e falava, mais não oiava pra siá. Não usava as vista com cobiça nem quando se aprontava pra semeadura, parecia longe, pensando mais longe, querendo otra mulhé qui tava imaginando, no fim das conta mais pensava qui fazia. Não sabia brincá com as palavra, não queria conhecê a siá nem tinha vergonha de mostrá o descaso dos esquecimento

Se o sinhô meu marido acha que é preciso, ele não lhe oiô antes de responde, só fez qui oiô, um feitio de oiá sem oiá, sem dá importância de colocá as vista com interesse de vê, pareceu tê escolhido desistí de tê saudade, aborrecido da mulhé qui escolheu. Falô vazio de desisteresse pelo feitio de vida qui ele obrigava a siá e os preto escravizado

A sinhá sabe que a casa é o próprio homem, significa estabilidade e continuidade, o progresso da família e da nossa Vila. Um homem de bem jamais deveria ser incomodado em sua casa, arrancado da sua família. Veja bem, minha esposa, a siá se ajeitô com os pé no chão, mais nem isso foi coisa de sê vista, essa negrada é incapaz de raciocinar pelo bem do senhorio, se um faz de conta que faz, os outros querem fazer do mesmo jeito. Não se pode afrouxar as rédeas dos animais nem aliviar o corretivo do relho. A carruagem só anda puxada com vigor e vontade, a robustez do negro se examina na compra, mas a vontade se ensina com o corretivo da chibata.

Começô a dá na siá uma vontade de rezá, juntá as mão e pedí uma otra vida, nem qui fosse só em pensamento. Ela sabia qui o seu destino já tava escrito, mais quem sabe, a siazinha das Dô dava um feitio mais bonançoso e menos tristonho pras escritura já escrita na vida da siá. O siô continuava se falando

A evolução da casa é a evolução da Vila que mostra a bem-estar da nossa civilização. Gosto de caminhar pelo salão da nossa casa e ver como a sinhá dispõe das negras nos cuidados da casa. Esse é o amor e o carinho que toda esposa deve devotar ao lar para torná-lo confortável e acolhedor.

O que eu não conseguir o sinhô há de ensinar, ele fez um sorriso de bondade qui mais pareceu com um muxoxo de indiferença. As instrução da siá se terminô assim, um pequeno cumprimento com a cabeça, e pronto, o dia teve começo. O siô levantô da mesa do café e saiu pra vistoriá os trabáio na fazenda. A siá foi pro quarto de dormí pra esperá a aparição da Milagres

Hoje, quero um banho demorado, a mucamba, inda com as vista cravada no chão, respondeu

Acho qui tá no seu gosto.

As duas se oiô otra vez, não tinha entre as duas nenhum oiá envergonhado, as duas sabia quem mandava e quem obedecia, praqueles qui manda isso é muito bão, sabê qui os qui obedece sabe qui tá ali pra obedecê sem perguntá e pra respondê o qui a siá qué ouví. As palavra dizia o qui não era dito, mais é preciso sabe escutá o qui não é dito. Uma intimidade de siô e escravo. Um muro forte e intolerante qui permite qui só a siá passe dum lado pro otro, não deixa Grabiela dizê as grande palavra qui só a siá sabe porque ela já era alguém na vida: a mulhé do siô qui carrega as palavra. Ela sabe qui não faz desavença com as palavra do siô. Vive uma vida de muros e desertos. Monótona. Seca. Infertilizada. Inté qui ela vai ficando vazia pelo costume, domesticada pelas palavra nova qui não aprende, desaprende, e as palavra qui repete pelo costume de repetí, atordoada pelo truque miserável da escravidão.




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