quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Largo da Forca

Ensaio 14B
baitasar
Josino chegô cansado, já ia tarde o fim do dia. Foi direto ao porão da casa dos lampião, precisava dá jeito no descanso da juntura dos ossos. Não achô na sua vontade, e, por certo, nem no capricho do padre, nenhuma necessidade de dizê da sua chegada. Dava os cumprimento do siô, se o vigário das alma querê, no dia depois. Baixô as vista até os pé, tinha os dois cansado de levá e guiá de volta sua corpulência, sentô pra arrancá os ferrão do mato, o embaraço tava cravado no solado. Alguns tirô, um qui outro deixô, coisa sem importância, a carne havia de comê os estorvo qui ficô.
Sentiu vontade de retrucá o couro. Saiu do porão como entrô: mudo. Ninguém lhe viu entrá ou saí. Preto caminha camuflado na escuridão, invisível, até pode existí, mais é como dormí e não sonhá, não vivê no sono. Josino não sonhava, mais na noite qui teve a Milagre na pedra do amô, sonhô, pela primeira vez, em muito tempo, qui a sua preta tinha se feito com cera, disfarçada numa vela queria iluminá o caminho dele. A cada vez, o Josino punha fogo na vela, ele via com claridade a viagem, mais a Milagre se desfazia a cada pouco da vela derretida. Não podia tê as duas. Passô a viagem pra cidade chateado com o sonho.
Chegô no rio e mergulhô, gostava de entrá nas água mais afastada da Arsenal, não tinha simpatia pelo Largo da Forca. Ficava enfiado, longe dali, na escuridão molhada, entranhado com a sola dos pé no lodo, a linha d’água na cintura. Podia não sê, não era, mais parecia livre. Gostava da noite, era quando se juntava com a Milagre.
A saudade incomodava, lhe agitava o dormí, assanhava o sono, mais era o lugá de passá as noite sem o uso das corrente. O siô sabia qui não fugia sem a Milagre. As canela agradecia aquela liberdade. Mergulhô e subiu, passô as mão na cara marcada, olhô a barriga da lua pendurada, como a rede de Oia boiando nas estrela, tava cismado com o feitiço da saudade, Essa nêga me tira o amansá, fingi qui não sabe qui me tirá o sossego, fingindo inocente. Ah, se esse homem pudesse, dava a terra, também o céu, esse rio, levava a Milagre pras terra dos preto livre, qui deve existí em algum lugá, Minha Milagre, ocê tá no meu coração dum jeito qui não quero mais ninguém, só tu muié. Não sabia se as água nos olho era do rio ou se as água do rio nascia das vista, uma abarrotava com a outra
—        Sai do rio, negro safado!
Não houve tempo de obedecê nem desobedecê, o chicote do jovem Capitão andô sobre as águas e alcançô o Josino, não escolheu lugá pra acertá. O inesperado da dô lhe fez grita dum jeito qui assustô o siô
—        Cuidado, Capitão! Não quero a mercadoria desarranjada para o uso!
O Capitão, fio do siô com a negra Rita, tinha o distintivo do pai num olho e a marca da mãe no outro olho, recolheu a contragosto o cipó de boi, no seu jeito de vê, o negro Josino precisava de mais corretivo
—        Sinhô, assim a negrada fica manhosa...
Perto dali, depois do pelourinho, entre a Arsenal e o Largo da Forca, no tempo do Josino menino, outro negro recebia nas carne o açoite qui lhe fazia cortá em tiras as costa, mais ninguém lhe arrancava um grito. O capitão-do-mato Maria da Cruz parô cansado de batê, queria ouví o gemido do negro. Mandô cortá uma tira de cada lado do saúva. Enquanto o ajudante das suas ordens lhe obedecia, recomendava cuidado, É preciso prudência de desinfetá com salmora e pimenta, depois é preciso cuidá da sangria com pólvora e brasa.
O alívio da desinfetação veio quando o negro desmaiado
—        Acorda, negro fujão!
O corpo do negro não lhe obedeceu.
Deu nova ordem
—        Aguadeiro!
O negro qui cuidava de levá água e matá a sede dos escravo se apresentô rápido. Parado, em pé, mudo. Esperando com a tina da água em uma das mãos
—        Joga fora essa água da tina!
Lançô a água da tina no chão da terra
—        Hoje, ocê e os fujão vão dormir com sede.
O aguadeiro ali, imóvel, desanimado, sem expressão
—        Recolhe no lugar da água o mijo dos macaco... é prá já! Quero a tina cheia!
O aguadeiro correu na direção dos negro acorrentado no pescoço, as mão atada nas costa, perfilado, um ao lado do outro, tratados com mais crueldade qui a selvageria dada aos castelhanos aprisionados, os negro precisava desaguá na tina
—        O macaco que se negar vai apanhar!
O aguadeiro ajoelhado pegava o varapau das virilha de cada negro e enfiava na tina, ordenhava até escutá o desmame e anunciava
—        Esse tá mijando!
Depois do último foi a sua vez
—        Aguadeiro!
Ele voltô com a tina cheia
—        Deixa ver... hum, se mijo valer alguma coisa, esses negro tão feito comigo! Espere! Vou misturar o mijo do branco com os negro! Joga!
O aguadeiro não entendeu, na dúvida, sempre ficava parado, aguardando o reforço da ordem
—        Joga no fujão, quero esse macaco acordado!
Jogô. Precisava jogá.
O capitão Maria da Cruz aproximô do negro acordado, não ouvia nenhum gemido, então, lhe deu um pontapé violento
—        Isso é pra ocê gemer com mais vontade, macaco fedido!
O negro não lamento da dô, ficô estendido no chão das terra perto da Arsenal, as mão amarrada nas costa. Dois bicho da tropa do capitão Maria da Cruz levaram os negro acorrentado até mais chegado da Arsenal, quando ainda não era Arsenal
—        Capitão Maria!
—        O que foi Exposto?
—        To achando que essa noite nenhum negro vai dormí depois do corretivo...
O sargento das suas ordens era o Exposto, mais um dos mestiço abandonado quando em criança, não sentia pena nem dó. Deu uns passo e olhô no redô. Os homem qui não cuidava os negro carregava uma tocha na mão.
O menino Josino escondia as vista e a pele no meio do mato na beirada do rio. Queria saí, mais não conseguia. Não ia abandoná de vê aquela maldade, havia de contá e contá de novo, té alguém escutá, havia de existí um branco sem maldade. Olhô pra trás e viu o padre apegado na cruz, parado, rezando. Assistia, como o menino Josino, a peversão da crueldade e da fúria, voltô as vista nas luz das tocha.
O Exposto voltô té o capitão Maria da Cruz
—        Capitão!
—        Tudo pronto?
—        Tudo pronto, capitão! Os negros tão lhe esperando...
Como um comandante imperial passô revista na tropa, num qui outro bateu com o cabo da enxada no varapau das virilha
—        Quando voltá pra dormir, cada negro vai tê o que lembrar.
Ninguém mexia as vista, cada preto respirava bem pouquinho
—        Me trás o fujão!
O menino olhô para o padre, parecia qui o homem de preto rezava, um Pai Nosso, um Ave Maria, não importô prô outro maritirizado, tem vez qui rezá é mais disperdício qui dizê uma blasfêmia. Viu o homem torturado, pensô no padre, na virgi, no céu, achô qui iam colocá o preto na cruz pra salvá os outro preto bão dos branco ruim. O vulto do preto fez o sinal da benção, rezava pelo espírito dos preto, o menino amaldiçoava a alma dos branco, vai custá pra se perdoá, o padre entrô na casa, homem bão, credospadre
—        Levanta o negro!
Dois soldado da tropa civil do capitão-do-mato Maria da Cruz ergueram o homem negro açoitado
—        Coloca de joelho!
Ficô ajoelhado, mudo das dô do açoite e das tira qui faltava nas nádegas. Ganhô um só golpe nos dente branco. A pancada saiu da mão qui empunhava o seu soco mais duro e violento. A força da batida pareceu tê quebrado um dente do coitado, fez brotá sangue, mais não fartô a vontade de batê qui atormentava o capitão da Cruz
—        Não lhe adiantô os aviso, de nada lhe serviu a queimadura do F na testa, nem a orelha cortada...
O menino Josino vomitô pela segunda vez, não entendia porque o sofrimento de alguém não aplacava a fúria daquele homem. Não tinha o fervô do padre na oração, nem a força da blasfêmia, nem a coragem daquele homem preto. Nenhum exército de preto ia vim pra salvá o homem preto daquele martírio. Pareceu ao menino qui escutava o padre escondido na casa gritando, Morrê não importa!
O menino Josino olhô o homem preto, firmô as vista até se aproximá, viu qui ele não tinha medo, nem esperança
—        Agarrá o macaco!
Um soldado agarrô um braço, outro soldado firmô o outro braço, o ajudante das ordens Exposto agarrô com muita firmeza a cabeça do homem preto . O polegá de cada mão apertava a testa e puxava a cabeça pra trás, até abrí a boca. O capitão Maria Cruz colocô na boca do preto um galho do mato. Depois com uma estaca de madeira quebrava os dente do homem preto, usava o martelo da outra mão
—        Vamos ver ocê fugir, agora! Corre negro! Corre negro! Corre!
O menino Josino suplicô
—        Solta as mão dele... — murmurava com as água das vista
—        Corre desgraçado!
O homem preto não tendo mais o qui fazê tentô fugí.  Correu um pouco e caiu. Os negros gritava pra levantá e fugí
—        Solta os cachorro!
Dois dos três cachorro logo lhe alcançaram. Tentô batê com os pé, gritô, assustô, mais as mordida carregava muita dô, levantô e caiu, perdia os pedaço. Fez corrida na água da Arsenal, as mordida rasgava a água barrenta. O capitão Maria da Cruz latia, latia, latia, esganiçava ordens à cachorrada.
O fugitivo daquela infâmia, desprotegido em nome da alma e da dô, entrô nas água mais e mais, a cachorrada não lhe deixava, perseguia os garrão, as perna, as costa, onde pudesse alcançá. Tentô afundá, mais os dente continuava arrancando pedaço. Quis agarrá um cachorro com os dente qui não tinha mais, tentô uma, duas vez, té qui afundô, se livrô das dentadura.
A cachorrada voltô pra mão do capitão Maria da Cruz, não paravam de mastigá. O capitão ajoelhô pra abraçá  os seus verdadeiros campeão, os homens por quem arriscaria a própria vida. Lambiam suas bota, a cara cabeluda e a boca amarelada com os dentes podres. Enfiô a mão num saco e retiro as duas tira das nádega do homem preto e jogo pra cima
—        Agora, vão dormir... já têm com o que sonhar.
O Exposto se aproximô
—        O capitão tem três cachorros danado de bão.
—        Mas já teve tempo que perdia um ou outro. Esses negro morde igual a cachorro, por isso, quebro os dente do macaco antes de soltar os cachorro.
—        Vivendo e aprendendo, capitão.
—        É isso, enquanto se vive estamos aprendendo.

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