sábado, 6 de abril de 2013

A avó é um pedaço do acontecido


Ensaio 33
baitasar
Meu neto, desculpa a avó fazê de ocê as orelha que há de escutá as memória escondida, nesse peito aqui. Lembro de alguma coisa, esqueço de outra, isso me parece do modo de envelhecê, comum ocê guarda na memória o futuro e a avó perdê o futuro. E aprendê de recordá o passado, fazê o mundo girá no contrário
—     A avó quer que esse neto aqui guarde a caixinha da música?
Neinho, essa vai com a avó... promete pra avó
—     Se a avó quer assim, é assim que vai ser.
Neinho, ocê vai encontrá na vida amigo que inventa o que ocê não é, outros pouco, bem pouco, mais amigo, que vai mostrá que ocê não é um preto sem passado. Vai aprendê que o passado com a avó é um pedaço do seu acontecido
—     A avó ensinou que é falta de juízo carregar a tristura dos outro e suportar a própria tristezura.
A avó sabe, mais é o meu tempo errado do lugar vazio, a tristezura de tê ficado no mesmo lugá, guarnecendo o esconderijo da nêga Laetitia, esperando o Capitão voltá. Acho inté que ele voltô e a avó não soube sabê
—     A caixinha da música?
A avó olha no espelho e esquece em que espelho deixô o Capitão da caixinha. Ele jurô que voltava. Um homem que com a terra da sua pele dava comida pra minha raiz, e com a ventania perfumada do seu cheiro de boca nos monte de chocolate da avó, inventava os sonho. Sonhava que dormia abraçada naquela ventania, quando tava triste queria escutá o barulho das folha, queria o sabô no travesseiro de folha, era meu bem querê, e chorava, bem baixinho, pra modo de não acordá o teu avô. Tava enfeitiçada, mas não conseguia arrancá as raiz pra botá as asa, não me levô pra avoá. Deixava o cheiro do amô e as marca das mão que voava, Sempre que precisá companhia pra avoá me chama... delícia, delícia, assim ocê me mata
—     O bicho voador era um safado!
Não diz assim, a avó fez o que queria fazê. Não precisa sê em todos os dia, mais, em algum mais que em outro, precisamô dizê, Ocê, me faz falta!, em algum dia, mais que em outro, queremô escutá, Ocê me faz falta!, até que, entre tanta coisa dita e não dita, gostamô de escutá, Ocê pode não me fazê falta, mais, tenho dia, não é em todo dia, ocê é tudo que preciso. E pronto, por algum dia, não todo dia, as palavra basta, mais nada que faça impedimento de falá, Em todos os dia, ocê faz falta!, e não seria mentira
—     O avô não perguntava como a avó tava?
Se perguntava não tinha ouvido pra escutá, tava mergulhada no desespero daquela saudade que não tinha aviso pra alívio, dormia nas mão do avô, com a caixinha das música enfiada no travesseiro, tanta noite que não foi boa, sonhava de tê uma boa noite de verdade, mais não vinha nenhum presságio. Se não perguntô foi porquê já sabia, Tô bem, meu marido. O avô sabia da mentira, e ficava calado, cansado com tanta tentativa, Além da tristeza, marido, não tenho nada, é só tritura, não quero mais esse corpo. Foi quando o avô achô que tava na necessidade de conversá com doutô. Disse que não queria, ele insistiu, até que dei aceitação
—     O avô conseguiu lhe levá... quando foi isso?
Sua tia Vanda já tava na feitura, mais não tinha pista do acontecido, faltava costume de contá atraso no sangramento de mulhé. De modo que chegamô no seu doutô, nem tava satisfeita nem tava incomodada, a tristura me tomava conta. As mão tava no colo, um dedo acariciava a ponta dos outro dedo, o olho tava abaixado, olhando o acariamento que não vinha. Não tinha o que dizê, então ficava no meu silêncio. Até que o doutô médico abriu a porta e mando os dois entrá. Não sabia como ele havia de fazê ajudamento com a caixinha das música. Entramô
—     E a avó queria o quê?
Não sabia, tava esperando a vida enquanto acumulava as ruga na mocidade. Tinha um vulcão no corpo que precisava adormecê, não podia recorrê a verdade, havia decidido dá ao tempo mais tempo. O douto sento do seu lado da mesa, sentei com o teu avô do nosso lado da mesa, depois do bom dia, fez silêncio, pra mim pareceu um silêncio cumprido como a minha tristura, mais pode que não foi, O senhor é parente?
—     O marido.
Faltava a caixinha das música, se o doutô escutasse aquela belezura, com certeza ia entendê. Por acaso, marido fica com as parte inusitada do corpo dolorida, depois da deitação? Inté pode, marido não é amigo, mais precisa sabê as rima e dizê baixinho enquanto o múmia se mexe de um jeito que não consegue entendê, precisa gostá da poesia que escreve por dentro, acordando, entrando e ficando, o fogo da palha que acende rápido precisa descobri o jeito de fazê queimá devagarinho, paixão que não se tem por amigo, Como ela está? doutô, não pergunta isso pra esse marido que nada me conhece, que não me sabe, que não me inventa, que não sabe se me dá ou tira. Pergunta pra mim, me olha e pergunta: como eu tô, se não pergunta é porque já sabe, Tô bem, doutô, o seu doutô sabe que é mentira, o marido sabe que é mentira, mais não tem remédio pra essa tristura, O que foi que aconteceu?
Não aconteceu nada, talvez, quando começá o inventário da vida, tenha uma falência em plena luz do dia, em meio às ruas que nunca andei, e pronto, acabô a nêga Letitia, sem ideia, que nunca saiu do poço. Não gosto por teimosia, mais por causa da gostosura, me sinto o tempo todo aprisionada daquele cheiro da boca, um sorriso de apaixonado que fica guardado na caixinha das música. Com um pouco da imaginação, quando abro a caixinha escuto o sorriso da gostosura, Não vejo nada que possa dizer que a senhora está com alguma doença, levantamô do lado de cá da mesa, apertamô as mão
—     Obrigado, doutô.
Não tem do quê, os exame do doutô não mostra a alma ou a espera que não termina, uma carícia que não começa, as ausência do homem que sempre deixa só, sem mimo, sem carinho, tudo que faço e não faço queria fazê junto, mais é um homem pra comê e deixá partí, até o resto da vida.
Na saída, a cor do anoitecimento já pintava e tirava o calô das rua. O dia foi de sol, agora era de lua. Coloquei meu abraço direto na cintura e a cabeça no peito do marido. Colocô o abraço esquerdo em cima dos ombro da avó. Caminhava lentamente, com o silêncio, melhó não dizê nada
—     Te amo.
Eu sei, ali, sem nenhum futuro, seguindo o rumo do pé, esperando alguma estrela aparecê, algum encanto, uma ilusão, Vamô tomá um café?
—     Sim. Vamô.

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Ensaio 32 - A morte tava viva na avó 
Ensaio 34 - A avó vestida só com uns arrepio

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