segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O marido da mulher

Ensaio 24
baitasar

O anão larga o jornal sobre a mesa, desce da sacola que o trouxe, junto com o pão e o leite, esfrega as suas pequenas mãos e enfia a menor em um dos bolsos da calça, bate os beiços, abre um grande sorriso, risca o fósforo e queima a diamba — Então...

—        Então, o quê? — pergunta o escritista com os olhos para a moça vestida com retalhos, estende o braço e pega o troço, nunca em suas alucinações de olhos abertos vira um anjo em retalhos tão infernal e tão perto, dá pra sentir o cheiro paradisíaco
—        Café... ou a história da avó... ou um banho de espuma? — com um grande salto, sobe no banco, já está com a diamba entre o polegar e o indicador da mão menor — Então, o que vai ser?
—        Estou com fome... escolho o café, tá legal?. — o escritista é o primeiro que responde, não diz que recém havia acabado o ensino de alguns movimentos de montaria, não lhe empolga outra cavalgada, pelo menos, não antes do café. E o anão não tem que saber de tudo que se passa entre ele e aquele tesão de anjo
—        Tienes que comer algo, muchacho. Yo también. — o anão ergue os ombros, abre os braços e as mãos, parece resignado, puxa a fumaça
—        Está bem, vamos ao café. — respira com um profundo suspiro. Desce os pés do banco e senta, depois mostra um pequeno sorriso, parece guardando num canto, para uso em tempo mais conveniente, memórias safadas com encantadoras perspectivas. Não oferece o cigarro com a diamba para a moça, ela não bebe nem fuma em serviço de dona de casa. Aprendeu que pode de um jeito ou de outro, ter sorte, mas é preciso teimosia, persuasão e atentar a mulherada com ardor e paixão, a ebulição do carnaval é só a aparência de se mostrarem, é preciso o carinho da paciência com elas, são estimuladas por mais de um jeito.
Diminui o tamanho da voz e sussurra ao escritista — As pessoas nem imaginam a vida das putas, também querem o amor com a alma e o coração... você não acredita... — os dois homens continuam sentados à mesa — ... ela tem medo de desabar e perder a atenção na família, no trabalho...
—        As mulheres entram nisso por falta de opção?
—        ¿Qué tanto sussurro? — a retalhista retira a chaleira com água do fogo, a quentura havia começado o chiado da fervura. Despeja a água da chaleira no bule do café, lentamente a água se mistura com o pó, o coador de pano enche, fica chocando a borra marrom até a borda, mais uma gota e transborda
—        O vapor do aroma é mais gostoso que o gosto.
—        Os cheiros e os sabores. — os olhos do pequeno Fumaça não se parecem com os pensamentos do pequeno e virtuoso neto da avó, deixou de se pensar como um rabanete preto, continua perseguindo o encanto das palavras doces, aromas delicados.
Enquanto o pó tinge a água e o coador filtra os restos suspensos daquela borra escura, Maiami coloca uma panela com leite no fogo. Limpa a mesa com um pano úmido, depois com um pano seco, e pronto, ela está preparada para receber o pão e o vinho, e as histórias do anão.
A retalhista se volta à chaleira, observa que o leite ainda não está no ponto da fervura; volta à atenção para o bule, coloca mais água no coador; recorta o pão em fatias. O rapaz escritista faz movimento para levantar e ajudar no controle do leite ou no enchimento do coador, o Fumaça toca em seu braço, pede que fique sentado — Está tudo no preço, gosto de me sentir o marido da mulher.
A servente olha os dois e sorri. Naquele olhar não tem bajulação nem insolência, apenas cumpre sua parte do acordo
—        El matrimonio para ustedes es un contrato de trabajo.
O escritista tirou a mão do anão do seu braço, depois a jogou no chão, ao lado do homenzinho que gritava todos os palavrões aprendidos como rabanete preto. A jovem não parecia preocupada com o sangue, com os gritos, apenas queria que ele parasse de escorrer e perdesse a voz — Laetitia...
—        Sim, meu Capitão.
—        Preciso cobrir os seus olhos.
—        Não vou sair daqui, meu Capitão.
O anão pegou a outra mão, a arrancada do braço e jogada no chão, tentava colocar no lugar de antes. Ninguém lhe dava ouvidos, ninguém lhe prestava atenção, ela escorregava e caia na lama de sangue e terra, mas não largava o fumo-de-angola.
O Capitão pegou uma tira de pano e amarrou nos olhos da mulher deitada de costas, uma das pernas apoiadas no ombro do Capitão, a outra estendida no chão — Nossa! Isso! Isso! Caramba!
O prazer inesperado não lhe causou espanto, nem foi tomada de repente — Gosto em mais de um lugar...
—        Minha escrava fujona... safada.
—        Atrevido é o Capitão que me tapa os olhos e acha que não lhe vejo...
Ele a abraçava e enfiava as mãos abaixo do vestido de algodão grosso, manchado de sangue e lama, subindo até a cintura. Avançou com a boca em seus seios, beijava e mordia — Eu gostei de você.
—        Eu sei que gostou, Capitão.
O escritista está em pé ao seu lado, toca em seu braço e a faz sentar, ele examina o coador, depois a leiteira, as xícaras — Escuro ou claro?
—        Oscuro...
—        E você, Fumaça?
—        Claro.
Serve os dois e concentra atenção na sua xícara com o café preto, depois se aproxima da jovem e sussurra — Primeira lição: deixe-me cobrir seus olhos.
—        ¿Por qué? — a jovem lhe sorri, ele gosta da sedução... do faz de conta da feitiçaria
—        Não sei, apenas uma ideia.
—        No... vamos a tomar un café. — sabe que existem homens e homens, não gosta do encantamento das mulheres transformadas em princesas, seduzidas por homens perfeitos, um mundo puro, geométrico, a sala de espera da senzala. Para a moça retalhista, homens e mulheres não vivem juntos por amor, vivem ajuntados por acreditar que o outro é seguro
—        Maiami, você acredita no amor?
—        Claro, es mi trabajo.
—        Vamos, Maiami, você pode responder melhor que isso.
—        Mejor...
—        É... melhor.
O anão toma o seu café, olha os dois, sabe que está apaixonado
—        A mi me violaron dos veces... ir a polícia? Eu sou a puta. Comecei aos 14 anos, no bordel era uma rainha. Nas ruas não tinha nenhuma chance. Conheço o amor por dinheiro... hombres que parecían encantados não conseguiam esquecer meus outros homens... quiero la cortesia, un regalo... una mujer le gusta ser cortejada... ter um homem usando o tempo para conquistá-la... mas uma prostituta não pode ser fiel... por isso, minha alma dorme sozinha, envelhece sozinha. Não confio em ninguém para juntar com minha vida
—        Por favor, meus amigos, não vamos misturar os eventos.
—        Eventos, Fumaça?
—        Negócios legítimos e alcovas extralegais.
—        Yo no soy un negocio legítimo agradable y fácil... vocês fazem do sexo a fixação da vida, por isso pagam!
Tem um tempo para conversar com o coração, outro para falar das entranhas – e outro, talvez o tempo que melhor podemos oferecer, o silêncio
—        Eu concordo, mas, por favor... — o pequeno ergue a xícara como se fosse fazer um brinde — ... vamos mudar de assunto, falar da minha coleção de calcinhas.
—        Porra, cara, esquece! E vocês, mulheres?
—        ¿Qué pasa con las mujeres?
—        Gostam do sexo?
A resposta não veio rápida, como se estivesse presa no grito perdido, desde a primeira guerra do fogo — As putas gostam... y las mujeres casadas que joden con sus amantes ilegales... ¡aman follar! — a retalhista olha desafiadora para o príncipe encantado — ¿Tiene una esposa?
—        Tenho uma namorada...
—        ¿Quién ella folla, enquanto você está aqui?
—        Merda! Vocês vão acabar estragando o dia. — o anão está em pé, sobre a mesa, precisa acabar com aquela discussão idiota — Eu sou bissexual. — os três ficam em silêncio, ele lembra o conselho da avó, ás vezes é melhor ficar quieto e deixar que pensem que você é um idiota do que abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida, bem, depois da confissão feita é o homem pequeno que precisa terminar o que começou — Tá bem, foi mal, mas eu não corro atrás de homens, foi uma vez que aconteceu e... bem, eu me sinto melhor com as mulheres. — a jovem permanece calada, não parece medindo as consequências do que lhe resta na vontade de falar, tem o jeito de um vulcão limpando a garganta antes da explosão, olha para o anão que lhe pede para deixar tudo, assim, como está, depois enfia os olhos no escritista e esfria a voz
—        Todo está incluido en el precio... e o moço não precisa da minha companhia pra se embrulhar com o anão. — o pequeno levanta os braços e os abaixa inconformado, estão todos nas beiradas do descontrole. O preconceituoso aparece onde não se espera. Nem lembra o começo de tudo aquilo. O escritista a segura pelo braço
—       Tá me chamando de viado?
—        ¿Vas a pegarme? ¡ Solta mi brazo!
—        Não grita!
—        ¡Usted me está haciendo gritar!
A confusão das vozes, os xingamentos, e todos levantam a voz mais que estão acostumados, o escritista parece envolto num descontrole violento e obsessivo, o macho humilhado ergue a mão com o punho fechado, logo ele que se acha tão feminino
—        Rapaz, cuidado com o que vai fazer! E você Maiami, nada de heroísmos!
O escritista tem os olhos vermelhos dentro dos olhos da retalhista. Não a perdoa e nem mesmo sabe a razão da sua raiva
—        Ô maluku... termina esse daqui, isso é tudo bobagem.
O escritista afrouxa a mão, espicha o polegar e o indicador — Deixa pra lá, afinal, nem estamos casados... e a puta é você!

—        Usted es un juguete cómico en mi corazón siempre de fiesta.
—        O quê?!
—        Um brinquedo...
Não terminou, ele não podia deixá-la terminar aqueles insultos.
____________________________
Leia também:

Nenhum comentário:

Postar um comentário