sábado, 24 de fevereiro de 2018

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XI

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 








CELESTE
                Aos corações ideais 
  

Lembra-me ainda – ao lado de um repuxo,
Pela brancura de um luar de agosto,
O teu maninho, um loiro pequerrucho
Brincava, rindo, te afagando o rosto...

Lembra-me ainda – às sombras do sol posto,
Numa saleta sem brasões de luxo,
De alguns bordados de fineza e gosto
Delineavas o gentil debuxo...

E o gás que forte e cintilante ardia,
Te iluminava, te alagava... ria...
Da luz ficavas no imponente abrigo.

E agora... deixa que ao cair da noite,
Esta lembrança dentro de mim se acoite,
Como a andorinha no telhado amigo!






[ESTAS RISADAS]


Estas risadas límpidas e frescas
Que Pan trauteia em cálamos maviosos
Nesta amplidão dos campos verdurosos,
Nestas paisagens flóreas, pitorescas;

Toda esta pompa e gala principescas
Destas searas, destes altanosos
Montes e várzeas, prados vigorosos,
Louros – talvez como as visões tudescas;

Este luxuoso e rico paramento,
Feito de luz e de deslumbramento
– Do grande altar da natureza imensa,

Aguarda o poeta sacerdote augusto,
Para cantar no seu missal robusto,
A nova Missa da razão que pensa...




AOS MORTOS


Oh! não é bom rir-se de um morto – brusca
Pois deve ser a sensação que aumenta
Desoladora, vagarosa, lenta
Da negra morte tétrica velhusca...

Tudo que em vida, como um sol, corusca,
Que nos aquece, que nos acalenta,
Tudo que a dor e a lágrima afugenta,
O olhar da morte nos apaga e ofusca...

Nunca se deve desprezar os mortos...
Nos regelados e sombrios portos,
Onde a matéria se transforma e urge


Exuberar na planturosa leiva,
Vivem os mortos no vigor da seiva,
Porque dão vida ao que da vida surge!...






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Sousa, Cruz e, 1861-1898 Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008. v. 1 (612 p.)

Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.


O diferencial mais arrojado desta organização reside na opção por buscar maior aproximação ao evoluir poético do instaurador do Simbolismo no Brasil. Seus poemas inéditos, na absoluta maioria anteriores à sua fase simbolista, foram aos poucos sendo recolhidos e publicados sob o título O Livro Derradeiro, que muitas vezes tem provocado interpretações errôneas. Se o livro foi o derradeiro na sua organização, os poemas não pertencem à última fase do poeta e não representam a madureza do pensamento e da arte poética do autor. Optamos, então, por colocar esse livro em primeiro lugar, antes da sua trilogia de livros simbolistas, que, estes sim, representam a arte madura do poeta.


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