quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos VI

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 








SATANISMO


Não me olhes assim, branca Aretusa, 
Peregrina inspiração dos meus cantares; 
Não me deixes a razão vagar confusa 
Ao relâmpago ideal de teus olhares.

Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso 
Envolvido no luar das minhas cismas, 
Que o olhar que me dardejas – doido, imenso 
Tem a rápida explosão dos aneurismas.

Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno 
Problemático, fatal, cálido, eterno, 
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!...

Não me olhes, oh! não, que m’entolece 
Tanta luz, tanto sol – e até parece 
Que tens músicas cruéis dentro do olhar!...





METAMORFOSE 
A Carlos Ferreira


O sol em fogo pelo ocaso explode 
Nesse estertor, que os crânios assoberba. 
Vivo, o clarão, nuns frocos exacerba 
Dos ideais a original nevrose.

Da natureza os anafis mouriscos 
Ante o cariz da atmosfera muda, 
Soam queixosos, numa nota aguda, 
Da luz que esvai-se aos derradeiros discos.

O pensamento que flameja e luta 
Nos ares rasga aprofundado sulco... 
A sombra desce nos lisins da gruta;

E a lua nova – a peregrina Onfale, 
Como em um plaustro luminoso, hiulco, 
Surge através dos pinheirais do vale.





AURÉOLA EQUATORIAL 
A Teodoreto Souto


Fundi em bronze a estrofe augusta dos prodígios, 
Poetas do Equador, artísticos Barnaves; 
Que o facho – Abolição – rasgando as nuvens graves 
De raios e bulcões – triunfa nos litígios!

– O rei Mamoud, o Sol, vibrou p’raquelas bandas 
do Norte – a grande luz – elétrico, explodindo, 
Assim como quem vai, intrépido, subindo 
A luz da idade nova – em claras propagandas.

– Os pássaros titãs nos seus conciliábulos, 
– Chilreiam, vão cantando em místicos vocábulos, 
Alargam-se os pulmões nevrálgicos das zonas;

Abri alas, abri! – Que em túnica de assombros, 
Irá passar por vós, com a Liberdade aos ombros, 
Como um colosso enorme o impávido Amazonas!





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Sousa, Cruz e, 1861-1898 Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008. v. 1 (612 p.)

Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.


O diferencial mais arrojado desta organização reside na opção por buscar maior aproximação ao evoluir poético do instaurador do Simbolismo no Brasil. Seus poemas inéditos, na absoluta maioria anteriores à sua fase simbolista, foram aos poucos sendo recolhidos e publicados sob o título O Livro Derradeiro, que muitas vezes tem provocado interpretações errôneas. Se o livro foi o derradeiro na sua organização, os poemas não pertencem à última fase do poeta e não representam a madureza do pensamento e da arte poética do autor. Optamos, então, por colocar esse livro em primeiro lugar, antes da sua trilogia de livros simbolistas, que, estes sim, representam a arte madura do poeta.


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Leia também:

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos I


Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos II


Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos III


Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos IV


Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos V


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