quarta-feira, 28 de junho de 2017

histórias de avoinha: a cabeça dum moringue

mulheres descalças


a cabeça dum moringue
Ensaio 104B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



O negro fujão é um cabungueiro!

Hahahaha!

Um cubeiro!

Hahahaha!

Um tigre!

Hahahaha!

num tinha garantia, num tem regalia, nunca teve nada disso prus pretu, mais sobrava comédia e desconfiança medrosa, us pretu era colocado abaixo de tudo, assim ficava meió prus dono de tudo sê cruel e fazê us fiu pensá do mesmo feitio, sentí do mesmo jeito: ugosto de vê a dô notro e ficá entediado, duro e sereno

Não adianta fugir negrinho! Vamos seguindo o rastro do cheiro!

Hahahaha!

Nossa... esse deve feder pior que negro morto...

Bobagem, Juca... carniça é carniça, tanto faz se está viva ou morta, o rastro é o mesmo.

us trêis se óia e solta umesmo riso nu mesmo tempo, aquele alvoroço acordô as coisa ruim qui dorme dentro de cada um, mais qui se solta quando encontra otras coisa ruim se soltando. depois, eles procura uma negrinha pra descarregá o desassossego, pode inté qui usiô padinhu escuta uma qui otra confissão du arrependimento e reza junto

prus dono de tudo é bão esse serviço das reza e remorso pra tê alívio, prus pretu num é bão esse conforto e descanso pra mão du rabo de tatu, depois do conforto eles volta cum a mão mais pesada

Com toda certeza! Essa negrada já não tem muito gosto pelo asseio, mas carregar nos ombros os baldes das imundícies... meu bom Deus, não tem água e sabão que salve o criolo.

Nem o rio dá jeito.

Hahahaha!

nenhuma pausa pra pensá cum ucuração sem a armadilha de se vê poderoso: umais dono da vida e da morte; umais encarregado du rabo de tatu, das correntes, da pedra infame e da estupidez

Na minha opinião, juntar esse negrinho com os outros é o mesmo que estragar o cesto todo.

Coitado do primeiro que colocar as mãos no fujão.

us dono de tudo num é maluco, eles tem um plano amoroso: a villa sê um lugá muntu bão de vivê a vida só pra eles. eles tem quem faiz userviço da sujêra. a ociosidade é udestino dus dono de tudo, mais num é qualqué ocupação de mandá, ela precisa sê assassina

É por isso que todo caçador de criolo leva junto na caçada um negro da sua confiança...

Para fazer o serviço sujo.

Isso!

us trêis sente nu mesmo tempo um arrepio de desgosto e nojo. usilêncio du aborrecimento num dura muntu mais qui a vontade de avançá inté ufundo das coisa ruim

Se tem recompensa eu agarro esse criolo!

E tem recompensa?

prus trêis, qui num é dono de tudo, mais gosta de dizê qui vive na villa dus dono de tudo e serve us dono de tudo cum useu comércio, a gula pelo prêmio num pode incluí desgosto e nojo; é isso qui faz a reparação da riqueza: encoraja uqui ocê pode, mais num tá atiçado pra fazê, ela usa a gula pra ocê se descobrí desalmado

Juca, vosmecê é mui ingênuo... isso num era pra sê dito, num se pode apontá um villêro cum lugá destacado e chamá de casto e recatado, é a mesma coisa qui sê chamado de muriquinhu, muié, frouxo ou maricas, tudo junto ou separado. ujoca num deu siná de tê percebido u estrago du humô cum a palavra dita, e se percebeu, num ia pedí desculpa pelo descuido du dito, villêro num sofre arrependimento nem pede clemência... por quê vosmecê acha que a Villa está nessa correria toda?

Hum... tem recompensa. E vale o desperdício do tempo essa tal recompensa?

otra coisa apertada de medí, pelo menos, inté a vontade pelas coisa mostrá utamanho da gula e a destruição qui pode provocá

Depende do quanto vosmecê está carecendo para tomar um bom vinho.

u apurado pela gula num é um otro hômi, é umesmo hômi à prova de bondade quando u assunto é a recompensa

O aviso da fuga e a promessa de recompensa diz que...

Opa! Lá vem vosmecê e as suas leituras emprestadas! Hahahaha...

Vosmecê sabe ou não sabe ler?

entre us trêis, a ferida duma estocada cum as palavra dita, fora du tempo e lugá, podia sê consertada cum otras palavra; entre eles, as coisa dita num era dita pra sê a ruína dum ou dotro, era só aviso: é bão tê cuidado e num avançá na direção errada, num fazê inimigo dus amigo

Já expliquei que eu não sei ler, comecei cedo o trabalho de carreteiro... e nada de me comparar com esses criolos ignorantes. Eu sei muito bem escutar, conheço o meu lugar, coisa que a negrada não sabe, ou finge não saber, pois se soubessem escutar com atenção, sem julgar se o patrão tem razão ou não, não seriam estúpidos, saberiam como ser um bom e recompensado negro e escravo. Entenderam?

Perfeito.

Entendido.

Mas conte das suas leituras sobre a recompensa da captura do tigre...

Está bem, escutem...

Mas, por Deus! Faça logo esse anúncio!

Calma... o aviso que resultar na captura do fugitivo receberá 30U00 de gratificação.

Só isso?

É uma boa recompensa por qualquer informação que leve a captura do meliante.

É melhor seguir subindo, sugeriu um dus trêis amigo de comércio

Também acho.

A porta fechada do meu comércio pode dar mais prejuízo que a recompensa anunciada.

Não é pela recompensa. Pensem bem... fazer uma justiça premiadora estimula os negros não fugirem.

Quem nasceu para ser escravo nunca vai ter sua carreta de boi.

us trêis continuô a subida e passô pelo tabulêro da liberata, umaneco chegô pisá nos pé du abicu quando parô pra voltá as vista pru rio

O serviço da justiça é dar castigo para o fujão e desencorajar nos outros a vontade de fugir. O nosso serviço é fazer a Villa prosperar. Negro fujão não é um completo inútil, ao menos pode servir de mau exemplo.

Vosmecê acha isso mesmo, Juca?

Claro, sem a justiça e o medo da punição, coitados de todos aqui na Villa... a negrada acabava com tudo. Selvageria pura. Às vezes, acho que somos muito brandos com esses crimes de fuga. Não sei, mas me parece que poderíamos ser um pouco mais duros e consistentes nos castigos. Se você bate e grita com um negro está impondo o controle. Se o negro foge, você está perdendo o controle.

O pior negro é aquele que não quer comer, não quer trabalhar, enfim, não quer fazer merda nenhuma! Só pensa em fugir!

E criola gorda, então? Vive choromingando.

Criola não engorda, quem engorda ela é você!

Hahahaha!

a subida continuava, eles num parecia tá arrependido com a desistência tão cedo da recompensa

Não tenho mais idade para essa correria toda.

Nem atrevimento para engordar alguma criola!

Hahahaha!

Depois de feito o que fizemos a coragem vira cautela.

u abicu da pedra da infâmia precisô sê mais ligêro qui upisão do maneco. ucarretêro dava as passada cum aquelas bota qui mais parecia garrão de potro, udesnascido achô meió ficá trepado nu topo da pedra

É... não vale o esforço.

as palavra dita pelos trêis, no mesmo tempo, no mesmo jeito, foi como um assopro de arrepio pra quem credita nas coisa de cá e de lá

eles subiu inté usiô padinhu

na chegada da subida, eles puxava u ar com força e desarranjo. us quatro procurava um feitio meió pra respirá, parado, oiando um pru otro

tinha uqui tava com as mão na cintura, us dois dedão agarrado nu cinto – comu dois gancho enferrujado e sujo – e us seis dedo qui tinha tava pendurado. perdeu dois dedo na barranca, ninguém conta com certeza, mais parece qui ucarretêro tava de brincadêra cum ubrutamentes, seu touro favorito, inté qui u animal lhe mordeu a mão e comeu dois dedo

otro comerciante tava cum us dois braço cruzado e as perna aberta, parecia qui num descia da montaria; utercêro hômi parado da subida tava cum uchapéu nas mão, oiava e incomodava as aba du tampo du teto enquanto escutava sem falá nem dizê nada, só balançava a cabeça

u último dus hômi reunido nu caminho du topo da colina – oiava e só oiava tudo qui passava e voltava desde usol nascido inté morrido – tava com as mão escondida nus bolso du vestido preto, quando tirava a direita du vestido era pra ajeitá meió a cruiz qui carrega nu peito. e a cruiz num parecia pesá mais qui a vontade de dá us tropeção qui esmaga nu chão uparaíso prus pretu e índio: um lugá faz-de-conta qui a cruiz du peito oferece pra depois da morte, ulugá da morte. pru lugá da vida, a cruiz oferece a escravidão

us pretu nunca se sentiu escravo. quem inventô a escravidão foi us branco com a benção da cruiz. us pretu nunca se sentiu pretu. quem inventô qui us pretu é pretu foi ufeitio de vê dus branco. nu lugá de vivê dus pretu cada um tinha useu lugá, seu nome, sua tribo. ubranco foi lá na terra-mãe buscá cada hômi, muié e muriquinho pra espezinhá e maltratá, oferecê esse lugá assassino e entediado onde se perde primêro unome, depois a vida, inté num tê mais corpo nem história pra contá, inté num sê mais ninguém

atráis dus quatro hômi, um lugá nem muntu atráis nem muntu mais pra cima, tava o fundo da pintura faz-de-conta dos quatro siô qui tem vontade e vida virtuosa, distinta, respeitada e decente, é ulugá qui us pretu trabaia escravizado no levantamento da igreja santa e piedosa

Esse não vai longe...

Não tem onde buscar esconderijo.

us quatro fez balanço da cabeça pra confirmá a sabedoria du qui foi dito sem grito e sem raiva, aquilo tudo fazia parte das suas vida. nas palavra dita num tinha mágoa nem espanto, talveiz qui faltava o vinho

Eu só acho que esse movimento todo deveria ser feito à noite.

Vosmecê está de brincadeira!

Como achar esse negro na escuridão da noite?

Por que vosmecê diz isso?

Maneco, bem se vê que vosmecê não desce da carreta. É preciso evitar o máximo possível qualquer transtorno ao comércio da Villa. Garantir o nosso funcionamento habitual é garantir o bom funcionamento da Villa.

Então... por hoje, o dia está perdido?

Quase...

Concordo. Tudo porque um negrinho de merda não sabe o seu lugar e resolve fugir!

Pensando assim... é verdade, parece que foi montada uma operação de guerra para capturar o fugitivo.

Nem tanto assim, mas uma pequena guerrilha no centro da Villa. Isso nos provoca muita tensão e angústia.

Não esqueça que a escuridão favorece o fujão.

us trêis riu da justeza qui eles encontrô nas palavra du juca

Nem tanto... nem tanto...

us quatro num teve susto, mais ficô assustado cum aquela voz de atrevimento de aparecê nu assunto sem tá convidativo

... além do rastro dos pés, ele carrega as pegadas do tigre.

u intrometido continuô a intromissão e us quatro continuô cum as vista interrogativa na direção du intrometido

Olhem quem chegou...

nu desdizê du siô padinhu urecém-chegado era bem-vindo e tava atrasado

... o Moringue!

as rua continuava nu maió alvoroçamento, ninguém parecia tá interessado na visita nu topo da colina

mãinha mais ayomide tinha as vista prus lado da gritaria, as duas firmava o corpo na ponta dos pé, elas sabia qui num podia se ocupá só das coisa e dos acontecido do seu gosto. o peito das duas precisava tê mais tamanho qui a villa toda, precisa tê mais nobreza qui toda valentia qui mata e escraviza, precisa tê mais amô qui todo ódio da villa das boa intenção, precisa tê mais apego e cuidado qui todo descaso e desdém das pessoa rezadêra com os pretu, precisa sabê mais qui tudo escrito pra escondê os pretu

a villa sempre teve os dente arreganhado, mais vive disfarçada de povoamento de roça qui ficô com o jeito risonho. no meu modo de vê esse ajuntamento de gente nas beirada do rio, a villa num ficô perdida do seu feitio risonho – se é qui já teve o jeito desaborrecido e delicado – cada villêro nascido aprende vigiá e puní meió qui os já morrido. um jogo de branco qui nasce com boa intenção, escutando qui é dono de tudo. inté mesmo, dono do lombo dos pretu pra fazê uso qui resolvê fazê. os nascido na villa e dono de tudo num resiste pra tanta fartura de vontade. a villa deu pra cada um dos seus fiu nascido os motivo qui tinha, e cada um dos fiu ficô com os esquecimento qui precisa tê pra fingí qui é bem criado sê assim: dono de gente

um povoamento lambido com as água do rio, um povoado búrburú, gente do mal, gente ruim esses dono de tudo. eles é capaz de chamá qualqué um de fiu-da-puta se num cai nas boa graça do jeito risonho, fingí qui é bão é meió qui sê bão, fingí qui é risonho é meió qui sê risonho. um povoamento de gente fingida ou tolerante com as mentira qui escuta se é no seu favô se é no seu gosto

deu vontade de saí da pedra, fiz movimento pra descê da cabeça da infâmia, mais liberata gritô uma ordem, Num sai daí, muriquinho desnascido. Quero sabê u qui mais acontece, escutei a ordem qui num podia fingí qui num tinha escutado, resolvi ficá no lugá de vigiá qui tava

tem coisa desse mundo qui as coisa dotro mundo acha meió deixá do jeito qui tá. num mexê é meió qui mexê, num provocá é meió qui destratá. o segredo é fazê conversá as vontade dos dois mundo, mais é muntu raro os dois se entendê

as pessoa nas rua ficô mais medrosa e nervosa, mais num tava menó de sê curiosa. as pessoa tem munta máscara, cada disfarce esconde um machucado

Olha lá, Liberata!

Uqui é, Fumaça?

apontei, ela procurô mirá as vista, mais num achava o qui tava na ponta do meu dedo

Dotro lado, bem atrás de mãinha...

Uqui foi, Fumaça?

apontei no rumo qui os abicu mirava

Viu?

Não... umuriquinho desnascido vai dizê ou num vai uqui tá vendo?

inté mesmo muriquinho desnascido gosta de brincá de escondê e fazê desaparecê, mais num é o caso, vê aquele hôme é um insulto

Na colina... ele tá de conversa com o siô padinhu. Viu? Agora, está descendo...

ela firmô as vista no siô padinhu e no ajuntamento de hôme

Viu, repeti a pururgunta, ele tá descendo a colina. Aposto qui vai na direção do rio. Um hôme qui só pode tê nascido da invenção imaginativa dos dono de tudo.

mãinha girô os pé, queria vê com as própria vista o chefe dos perseguidô

Ele é o chefe, num tem otro!

o perseguidô tinha a cabeça dum moringue, parecia a pintura da ruindade com boa intenção. num precisava vê de perto pra sabê qui ele andava desenfreado, tinha o sobreôio carregado, o rabo de tatu nas mão, as venta arreganhada, parecia tá atento pra tudo – e pronto pra tudo – um caçadô de pretu




______________________

Leia também:


histórias de avoinha: hômi tigre
Ensaio 103B – 2ª edição 1ª reimpressão

histórias de avoinha: muntu agradecido...
Ensaio 105B – 2ª edição 1ª reimpressão

Nenhum comentário:

Postar um comentário